domingo, dezembro 31, 2006

Os Olhos Sem Rosto

Em nossa última coluna de 2006 gostaríamos de destacar o lançamento em DVD do filme Os olhos sem rosto (Les Yeux sans Visage, 1960), lançado pela Magnus Opus, redescobrindo um filme desprezado pelos historiadores – Georges Sadoul nem o menciona em sua História do cinema – mas que hoje revela espantosa atualidade. A edição segue o mesmo padrão do DVD lançado em outubro de 2004 pela Criterion Collection, no formato Widescreen Anamórfico (1.66:1). Como sempre, a Magnus Opus não se preocupou em apresentar o produto como ele o merecia, ou seja: manteve no DVD o design de capa dos posteres originais franceses e americanos, que são sensacionalistas, no estilo das capas dos romances policiais dos anos 1950, com cores berrantes e redundância da imagem da mulher de olhos sem rosto, em close e corpo inteiro, fugindo ao estilo do filme; bem diferente é o novo design criado pela empresa americana, fiel ao monocromatismo da obra e sua associação com o surrealismo de Jean Cocteau e Luis Buñuel e com o expressionismo tardio dos filmes noir de Fritz Lang. Nas reproduções abaixo, podemos ver o cartaz original de lançamento do filme na França e as duas capas, da Magnus e da Criterion:



O DVD Criterion Collection inclui o curta-metragem O sangue das bestas (Le Sang des Bêtes, 1949), de Georges Franju, sobre os matadouros de Paris; uma galeria de fotos de produção e material promocional; duas entrevistas de arquivo com o cineasta; dois ensaios críticos do novelista Patrick McGrath e do escritor e historiador do cinema David Kalat; dois trailers originais. O DVD Magnus Opus inclui os mesmos materiais, com exceção dos dois ensaios críticos, exclusivos da edição americana; procura-se suprir essa falta com textos traduzidos de ensaios de Georges Franju, mas as transcrições estão lamentavelmente truncadas. Felizmente, a qualidade das cópias e da prensagem foi preservada.

Os olhos sem rosto é um filme fantástico adaptado do romance de Jean Redon pela dupla de consagrados escritores policiais Pierre Boileau e Thomas Narcejac, com a colaboração de Claude Sautet. O veterano ator Pierre Brasseur vive o Dr. Génessier, cirurgião respeitado por seus trabalhos de heteroplastia que experimenta em cães transplantar órgãos vivos como forma de prolongar a juventude. Mas ele também possui uma atividade clandestina, para a qual conta com uma ex-paciente, a estrangeira Louise (Alida Valli), da qual recuperou o rosto, parcialmente desfigurado num acidente; por gratidão, ela se transformou numa enfermeira de fidelidade canina. Na enorme villa guardada por dezenas de cães, o médico mantém sua própria filha prisioneira: dada como morta num acidente, quando o carro que o médico dirigia a toda capotou, Christiane (Edith Scob) teve o rosto queimado; afastada do contato humano e dos espelhos, retirados de todos os cômodos da villa, usando uma fina máscara branca moldada em seu rosto com buracos para os olhos intactos, a jovem vaga como um fantasma pelos corredores, arrastando uma camisola que lhe serve de armadura, sonhando com o suicídio. É para dar um novo rosto à filha única que infelicitou que o culpado doutor mergulha em operações clandestinas. Confiando cegamente no Dr. Génessier, Louise vai a Paris à cata de belas jovens para levá-las à isolada villa. Ali as jovens são dopadas para terem a pele dos rostos retirada pelo doutor em transplantes que resultam, cada vez, num novo fracasso...

Lindamente fotografado pelo veterano Eugen Schufftan, que criou os grandes efeitos especiais com espelhos de Metropolis (1927), de Fritz Lang – técnica que ficou conhecida em Hollywood como “efeito Schufftan” –, Os olhos sem rosto também evoca em suas seqüências iniciais as seqüências finais de O testamento de Dr. Mabuse (Das Testament des Dr. Mabuse, 1932), daquele mesmo diretor austríaco: na estrada escura, vazia e sinistra, um automóvel em alta velocidade deixa para trás as árvores que refulgem como fantasmáticas manchas brancas – uma homenagem de Schufftan ao colega Fritz Arno Wagner. O próprio personagem do cirurgião é mabusiano em sua dupla personalidade: de dia, no hospital, exerce suas atividades de médico dedicado e respeitado pela sociedade; à noite, em sua villa, esfola e assassina desavisadas jovens seqüestradas. A própria estultice da polícia, ao enviar uma garota para a mansão do doutor, sem saber o que ele faz no refúgio secreto, tem um quê dos filmes noir do cineasta a quem Franju dedicou o ensaio Le style Fritz Lang. Ao mesmo tempo, seu filme remete ao surrealismo francês: a violência de O cão andaluz, de Luis Buñuel, na cena da pele do rosto da jovem arrancada a fórceps; o caminhar fantasmático dos personagens de A bela e a fera, de Jean Cocteau, nas cenas em que Christiane vaga pela villa, encarnando ora a bela, ora a fera, heroína e mostro ao mesmo tempo.

Com uma brilhante trilha sonora assinada por Maurice Jarre, com sons de cravo em acordes de sinistro contentamento, desde então muito imitados em outros filmes de horror, Os olhos sem face não chega a ser um clássico do gênero; dois momentos fracos o diminuem: o primeiro, quando Christine atira-se da janela do último andar da villa, parecendo morta, os olhos fixamente abertos, para em seguida reaparecer bem viva, sem fraturas, ou explicação; o segundo, no final, quando, num arroubo de surrealismo demagógico, as pombas são libertadas de sua gaiola e os cães de suas jaulas.

A libertação dos animais é um tema caro ao surrealismo, e corresponde, em sua simbologia fatalista, ao advento da revolução segundo as normas do materialismo dialético. O tema está presente em toda a obra de Buñuel, desde as formigas e gafanhotos de O cão andaluz (Le Chien Andalou, 1929) e os escorpiões de A idade do ouro (L’âge d’or, 1931) passando pelo urso de O anjo exterminador (El ángel exterminador, 1962), até os animais que fogem do zoológico no final de O fantasma da liberdade (Le Fantôme de la Liberté, 1974). Em Os olhos sem rosto, os animais simbólicos são cães e pombas; os cães simbolizam os oprimidos que se vingam do opressor; as pombas, a paz que a heroína finalmente encontra não sucumbindo ao desespero, nem recuperando seu belo rosto, mas libertando os animais que matam ato contínuo quem os mantinha prisioneiros.

Essa libertação final é ambígua como a própria Christiane. Se o médico e sua assistente assassinam sem escrúpulos em nome da ciência, a jovem sem rosto tem interesses românticos frustrados, hesitando o tempo todo entre um desejo egoísta pela recuperação do rosto (e do namorado) e a piedade altruísta para com as vítimas imoladas em seu duvidoso benefício. Somente no final ela decide salvar a nova vitima. Christiane é bela e fera a um só tempo, e por isso sua psicologia “complexa” não comove: ela mata a enfermeira espetando (quase por inveja) um bisturi no seu pescoço (local da cicatriz da operação bem sucedida que tornou a enfermeira novamente bela), mas ao pai reserva uma morte indireta: “inocente” e “pacifista”, liberta os cães que ele mantinha presos, e que vão, naturalmente, estraçalhá-lo; este assassinato adquire o aspecto de uma “libertação dos oprimidos”, com pombas a revoar à volta da assassina.

O que permanece instigante em Os olhos sem rosto são as seqüências em que Alida Valli sai à caça de garotas, perseguindo-as da mesma maneira subreptícia, eroticamente ambígua, que será adotada pelo colecionador de borboletas Terence Stamp frente à jovem Samantha Eggar – primeira de uma série – em O colecionador (The Collector, 1965), de William Wyler.

A estranha idéia de um transplante de rosto, como se fosse possível transplantar a beleza de uma pessoa para outra, e que parecia a mais pura ficção em 1960 e até recentemente, quando o thriller fantástico A outra face (Face/Off, 1997), de John Woo, recuperou o tema, tornou-se realidade em novembro de 2005. Cirurgiões franceses realizaram o primeiro transplante parcial de rosto numa mulher de 38 anos que teve a face desfigurada depois de atacada por um cachorro: ela ganhou novo nariz, novo queixo e novos lábios. O transplante foi efetuado a partir da doação de uma mulher com morte cerebral encefálica, após autorização prévia da família, por especialistas de dois hospitais em Amiens sob a liderança dos doutores Jean-Michel Dubernard e Bernard Devauchelle. Para evitar o risco de rejeição, a paciente foi submetida a forte tratamento imunológico e recebeu infiltrações de células da medula óssea da doadora, sendo ainda informada de todos os riscos que enfrentava por tratar-se de intervenção pioneira, inclusive da possibilidade de desenvolver câncer. Este primeiro transplante parcial de rosto criou esperanças para pessoas desfiguradas por acidentes e queimaduras, mas também reacendeu antigas e nunca resolvidas questões éticas.

Uma defesa do transplante experimental na cobaia humana encontra-se no artigo “Um rosto, obra da mão”, de François Delaporte, Professor de Filosofia na Université de Picardie Jules Verne, publicado a 1º de março de 2006 no Le Monde Diplomatique, on line em http://diplo.uol.com.br/2006-03,a1283. É sintomático que ele defenda a operação arriscada pelos cirurgiões contra as dúvidas colocadas pelos que chama de “éticos” (sempre assim, entre aspas), afirmando de modo decididamente nazista: “Sabemos que vários jornais evocaram o suicídio da doadora e a tentativa de suicídio da receptora. Mesmo se essas informações fossem verdadeiras, isso não constituiria uma objeção. Muito pelo contrário. O suicídio bem-sucedido da primeira e a tentativa de suicídio da outra desencadearam imprevistos. Por um lado, aos olhos de sua família, o suicídio da doadora torna-se uma morte extremamente útil, graças às doações de órgãos... Esse transplante do rosto..., pondo um fim aos fantasmas, incentiva as doações de órgãos. Hoje, as famílias dizem espontaneamente: Pegue também o rosto” (grifos meus). No visionário filme de Georges Franju, as ações friamente conduzidas pela enfermeira Louise e pelo Dr. Génessier remetiam às “experiências” dos médicos nazistas com cobaias humanas, que historiadores revisionistas, seduzidos pelo mal absoluto, consideram como tendo feito progredir a ciência... Este subtema de Os olhos sem rosto já estava presente em O sangue das bestas.

Realizado apenas cinco anos após a liquidação dos campos de extermínio, O sangue das bestas é um documentário “poético” e repugnante sobre os abatedouros de Paris. Ao mesmo tempo, ele pode ser percebido como uma metáfora do Holocausto, mas uma metáfora insultante, dificilmente sustentável. Muito freqüentemente aquele genocídio cometido pelo Estado alemão foi apresentado como um abatedouro gigantesco, para o qual os judeus “deixaram-se conduzir como carneiros”. A metáfora retirava do evento toda sua complexidade, reduzindo a engrenagem do Holocausto ao massacre de um povo covarde, passivo, servil, incapaz de resistir; o Levante do Gueto de Varsóvia contradiz o mito, mas este é apenas o evento mais espetacular e macroscópico da resistência diária e coletiva de uma minoria perseguida em meio a populações inteiras que, com exceção das minorias politizadas, permaneceram covardes, passivas, servis e incapazes de resistir aos decretos e às ações nazistas.

Mais do que através da metáfora do abate, é por uma invisível analogia mental que se opera, em O sangue das bestas, a associação entre a realidade do abatedouro e a dos campos de extermínio. Os trens que conduzem as reses “inconscientes de seu destino”; a frieza dos açougueiros, cujos nomes são enunciados; a descrição minuciosa de seus métodos de abate; o registro das mutilações, do sangue a borbotar das feridas, do esfolamento das carcaças, do corte das patas, das decapitações, etc. – tudo evoca um massacre organizado (tal como as operações experimentais do Dr. Génessier). O filme começa de maneira singela, com registros poéticos, de evocação surrealista, com objetos espalhados num mercado de pulgas a céu aberto, para pouco a pouco mergulhar nas imagens tenebrosas da carnificina dos animais.

O cinema de propaganda sempre recorreu ao abate como uma metáfora política a serviço de algum movimento extremista ou de algum regime revolucionário. O primeiro cineasta a recorrer a essa metáfora foi Sergei Eisenstein, em A greve (Stachkam, 1924): nas imagens-choque de bois abatidos, rasgados a faca, editadas entre cenas de fuzilamentos em massa, ele fazia a ligação entre o abate das reses nos açougues e o massacre dos operários pela polícia czarista. Após essa metáfora de fundo comunista, uma metáfora semelhante foi oferecida pelo nazismo em O eterno judeu (Der Ewige Jude, 1940), de Fritz Hippler, produzido com gosto por Joseph Goebbels: após chocantes cenas de vacas agonizando com os pescoços rasgados a facão por açougueiros judeus, o público respirava aliviado com o anúncio de um decreto do Führer proibindo a vivisseção de animais. Sabemos hoje que a conseqüência direta desse pioneiro decreto ecológico foi a permissão da vivisseção de judeus, tornados cobaias humanas pelos médicos nazistas nos campos de morte.

Mais tarde, o Cinema Novo também recorreu à metáfora do abatedouro: no final de Os fuzis (1964), de Ruy Guerra, o povo, após a revolta contra soldados repressores, se engalfinhava faminto, disputando os pedaços da carne de um boi abatido e esquartejado no sertão nordestino. Finalmente, reencontramos a metáfora política do abate na parábola cinematográfica sobre a guerra do Vietnã realizada por Francis Ford Coppola: no momento mais forte de Apocalypse Now (1979) que, ao contrário do que imaginam os críticos, justifica a guerra e prega como única solução da mesma o lançamento de uma bomba atômica no Vietnã, um boi é abatido e mutilado numa cerimônia primitiva realizada no “coração das trevas”.

Nesses filmes extremistas, a metáfora do abate remete à repressão policial (de um Estado a subverter) ou política (dos “judeus”, dos “vietcongs”), como impacto para mobilizar as consciências assim abaladas na direção da “revolução das massas”. Aqueles que abatem serão abatidos, e os animais torturados (“as massas”) serão libertados dos opressores. Há, evidentemente, algo de totalitário nestas metáforas visuais do abatedouro. Mas O sangue das bestas percorre o caminho inverso da metáfora política. Aí, as imagens do abate não aludem aparentemente a nada além delas mesmas, não há edição de cenas evocativas de um universo diferente ao qual o abate se relacionaria; trata-se de um mero documentário sobre abatedouros. Contudo, na escolha deste tema para um documentário preexiste o desejo de abalar as consciências. E além desse desejo, por mais que o cineasta procure manter a narrativa num tom neutro, as imagens cada vez mais atrozes do martírio dos animais remetem, ainda que involuntariamente, aos campos de extermínio e seus horrores revelados poucos anos antes nos “filmes de atrocidades”.

O sangue das bestas não chega a ser um filme de protesto levantando a bandeira do movimento vegetariano contra os abates de cavalos, bois e carneiros, bandeira que retorna com nova roupagem, no seio dos movimentos ecológicos - e lembremos que Hitler era vegetariano. Um recente projeto que proibia a vivisseção de animais, de autoria do vereador e ator Cláudio Cavalcanti, foi vetado no Rio de Janeiro pelo Prefeito César Maia, como inconstitucional; mas inspirou o deputado estadual Palmiro Menucci a tentar, em São Paulo, a proibição do uso de animais em práticas experimentais. Os atuais ecologistas defensores da proibição do uso de animais como cobaias pelos cientistas oferecem como alternativas para os testes clínicos de novos medicamentos ou tratamentos, a “simulação em computador” ou, como a fisiologia de um animal seria diferente da nossa, o uso de pessoas doentes, que se apresentariam como voluntárias às experiências médicas, cirúrgicas e farmacêuticas: “Há tantas pessoas doentes precisando de ajuda… Muitas delas certamente gostariam de ser cobaias, porque talvez seja sua única possibilidade de cura”, declarou Nina Rosa Jacob, fundadora do Instituto Nina Rosa, que faz campanhas pelos direitos dos animais e pelo vegetarianismo (ESCOBAR, Herton. Defensores das cobaias admitem testes em pessoas. O Estado de S. Paulo, 2 jul. 2006, Caderno Vida&, p. A30).

Georges Franju não chegaria a tanto, e seu filme não deve inspirar os novos ecologistas, embora eles possam aproveitar algumas de suas cenas para fins “educativos”. Mas avesso ao movimento ecológico de fundo fascista, O sangue das bestas pertence a outro universo cultural; há nele um tom trágico que justifica tanto os rudes açougueiros que realizam, sem drama, seu terrível trabalho cotidiano, quanto o sacrifício mudo dos animais, que se deixam abater para que a humanidade carnívora possa saciar sua fome, ou seu gosto pela carne. Ao mesmo tempo, as imagens terríveis do abate cobram da humanidade o preço de sua fome ou de seu gosto pela carne: impossível, depois de ver o filme, comer um bife sem pensar em todo o horror que está por trás dele. Aludindo à violência que se oculta sob a aparência burguesa de nossa vida cotidiana, e à barbárie em que o capitalismo às vezes recai (como no Holocausto recortado pela visão comunista), o filme deixa de ser um simples documentário para tornar-se mais um manifesto extremista na tradição política do surrealismo revolucionário.


Luiz Nazario

quinta-feira, dezembro 28, 2006

Aos leitores de nosso blog...

Desejamos boas festas e oferecemos o simpático cartão do encontro de Krazy Kat e Toby (via Cartoonbrew).

Alcebiades Diniz Miguel

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Propaganda soviética em DVD

Um dos lançamentos mais interessantes da coleção especial de DVDs The Walt Disney Treasures foi a edição On the Front Lines, dedicado à produção de animações de propaganda anti-nazista produzidas pelos estúdios Disney durante a Segunda Guerra Mundial. Ainda mais ousado pela amplitude do recorte temporal escolhido (dos anos 1920 aos anos 1980, período que cobre praticamente toda a vigência o regime soviético na Rússia, seguindo de perto as mutações que a variação russa da ideologia comunista sofreu durante todo esse período) é o lançamento – pela distribuidora Films By Jove, especializada em animação russa – do título Animated Soviet Propaganda.

Trata-se de uma caixa com 4 DVDs, cada um dos quais representando um segmento temático diferente (American Imperialists, Fascist Barbarians, Capitalist Sharks e Shining Future). A partir das resenhas e de algumas telas capturadas disponíveis no site da Films By Jove, podemos perceber que, apesar da mensagem ser rigorosamente estreita e caricatural, como exige-se de propagandas ideológicas de um modo geral, a parte artística prima pelo experimentalismo e pelo precioso acabamento visual, sustentando gastos gritos de guerra e palavras de ordem com um impacto dramático que, de outra forma, jamais teriam. De forma semelhante ao ocorrido no cinema, a animação soviética transcendia pela imagem as sugestões didáticas e redutoras das exigências do partido.




- Página da caixa com 4 DVDs no site da Film By Jove.
- No CartoonBrew, é possível ler excelente resenha sobre esse lançamento (em inglês).

Alcebiades Diniz Miguel

quinta-feira, outubro 05, 2006

O cinema concentrado dos posters

Publicações recentes – como a série de nove livros da Taschen Film Posters, exclusivamente dedicada ao tema dos cartazes de cinema – e uma enxurrada de camisetas e outros produtos fashion do momento destacam a importância dos posters como parte integrante do conceito de um filme, ultrapassando as funções práticas de apresentação e propaganda. Nesse sentido, o approach dos artistas do Leste Europeu – especialmente na Polônia – é notável: a partir da premissa inicial dos filmes, criam cartazes dominados por imagens fantásticas e surreais. Praticamente abandonando os tradicionais fotogramas, empregados nos posters mais usualmente, os artistas poloneses empregam técnicas variadas de ilustração e pintura para alcançar resultados extremamente agressivos (como no exemplo abaixo, o cartaz de Cabaret) ou de releitura poética muito original, mas ainda assim fiel ao espírito de cada filme.

Cabaret (Cabaré)

The Birds (Os Pássaros)

Links:

- Existem mais exemplos de posters nesta página.
- A série Film Posters está disponível na 2001 Vídeo. Os volumes são os seguintes: Film Posters Of The 30s, Film Posters Of The 40s, Film Posters Of The 50s, Film Posters Of The 60s, Film Posters Of The 70s, Film Posters Of The 80s, Film Posters - Exploitation, Film Posters - Horror, Film Posters - Science Fiction.

Alcebiades Diniz Miguel

quarta-feira, setembro 13, 2006

Semiologia de uma Imagem


Na série de imagens acima, publicadas na reportagem Lula retoca foto-símbolo da campanha, publicada na Folha de S. Paulo (10/09/06), podemos ver o Líder, “seu” Povo e “sua” Pátria, aparentemente embelezados pelo Photoshop para se transformarem no cartaz oficial da campanha de Lula. Mas até na fabricação de uma imagem, especialidade dos publicitários, os Dudas Mendonças a serviço do Poder Petista mostram-se incompetentes – até nisso! Como notaram os jornalistas Pedro Dias Leite e Eduardo Scolese, da foto original que um fotógrafo oficial da Presidência tirou a 21 de março de 2006, numa aparição de Lula no município Lauro de Freitas, na Bahia, os marqueteiros do candidato Lula apagaram a figura do chefe de segurança, general Marco Edson Gonçalves Dias; suprimiram uma mão anônima que estava em primeiro plano; limparam o céu, tirando e colocando nuvens; e varreram uma tenda branca que estragava a visão do fundo. O que os jornalistas não perceberam é que os marqueteiros não fizeram um serviço muito limpo; ao contrário, eles deixaram os dedos do general em cima do braço de Lula: na segunda versão da foto, quatro dedos cortados; na versão final do cartaz oficial da campanha, três dedos cortados (o quarto dedo, que estava levantado, foi meio que cortado, meio que fundido no braço de Lula). E, para disfarçar toda essa horrível mutilação, os “artistas” falsificadores colocaram uns respingos de tinta vermelha que acabaram, grotescamente, evocando sangue – dedos mutilados e sangrentos em cima do braço de Lula, esse ex-metalúrgico que teve um dedo mutilado! Seria uma homenagem de humor negro ao aposentado por invalidez que “trabalha duro” pelo Brasil? Não. Incompetência a toda prova. E a Folha, que deu a matéria, não percebeu! E mais: os marqueteiros do PT não apenas suprimiram o chefe de segurança como colocaram um velhinho e duas mulheres olhando sorridentes para o Lula, para completar o quadro messiânico-stalinista do candidato dito vitorioso. Por fim (e isso a Folha tampouco observou em seu furo de reportagem), os marqueteiros esqueceram, lá no meio do abraço enlevado do menino em Lula, o braço esquerdo do general:



Os “artistas” marqueteiros do PT devem ter imaginado que naquela confusão de Povo e Líder se fundindo, ninguém iria notar um braço a mais, ainda que solto no ar. Concentrando numa única imagem tanta incompetência, mentira, mutilação e horror, a imagem oficial da campanha de Lula, afixada em cartazes gigantescos em todas as praças por onde o candidato-presidente discursa, parece ser um alerta visionário, um sinal revelador. Que Deus nos proteja da materialização da catástrofe assim anunciada...

Luiz Nazario

Um novo e lucrativo mercado: vídeos pela Internet

Foi no início dos anos 1990 que se começou a mencionar a possibilidade de máquinas não-especializadas armezanarem arquivos multimídia compactados com algoritmos específicos de controle para a degradação digital – os chamados codecs. Mas seria apenas no final dos anos 1990, já no início do novo século, com o avanço inexorável da potência de processadores e da capacidade multimídia de sistemas operacionais que o compartilhamento de músicas compactadas no formato MP3 explodiu como coqueluche global. O pequeno software/serviço de distribuição Napster tornou-se, do dia para a noite, uma potência na rede mundial, enquanto gravadoras e músicos acionavam advogados para fazer valer seus direitos de propriedade intelectual. A natureza auto-devoradora do "comunismo eletrônico" que surgia com a Internet era clara: se todos os arquivos compartilhados provinham de uma "fonte" física – ou seja, houve alguém que se dispôs a comprar o produto no início dessa imensa "cadeia digestiva" – haveria um momento em que esse elemento acabaria suprimido. Empresas começaram a lançar propostas que, ao mesmo tempo, combatessem a pirataria e permitissem aos usuários a possibilidade de dispor, em formato digital, de suas músicas prediletas. Nesse momento, a Apple – fabricante dos computadores Macintosh – revolucionou o mercado, ao atrelar as compras dos arquivos digitais a um seu produto especialmente feito para representar no século XXI o que os walkmen da Sony representaram nos anos 1970-80, o iPod. O sucesso do modelo foi suficiente para que surgissem uma legião de aparatos tocadores de MP3 e serviços de venda de músicas na rede.

A expansão natural dos mercados e da tecnologia – incluindo a maior largura de banda da Internet, aumento da potência dos equipamentos, etc. – e a expansão das possibilidades de compressão para o digital com níveis de qualidade inigualáveis preparou o espaço para uma nova – e lucrativa – explosão que começa atingir os mercados globais: a venda de filmes de longa-metragem pela Internet. O prelúdio de tudo isso foi, novamente, configurado pela Apple, que vendia em seu serviço exclusivo séries de TV para iPods com capacidade de reprodução de vídeo. Pouco antes, a criação do software Bit Torrent – que descentraliza o arquivo digital compartilhado, tornando difícil seu rastreio pelas autoridades acionadas agora pelos estúdios de cinema – facilitava imensamente o download de filmes e séries inteiras com excelente qualidade e reduzidíssimas perdas advindas da compressão. Nesse mesmo período, serviços como o YouTube surgiam e, embora não tivessem qualidade suficiente, serviam para a difusão de vídeos em escala esponencial. Diante desse novo quadro, a Amazon e a Apple anunciaram suas respectivas lojas virtuais de filmes, aproveitando o nome e a experiência acumulada que ambas as empresas possuem no segmento de venda digital de produtos. Lançado dia 7 de setembro, o serviço da Amazon, batizado Amazon Unbox, oferece filmes e minisséries para venda. O modelo mimetiza o sistema da Apple: o usuário precisa baixar um player/software de download exclusivo (compatível apenas com Windows) e, se quiser reproduzir os vídeos fora do computador, precisará de um player de MP3 e vídeo concorrente do iPod como o Zen da Creative. A possibilidade de gravar DVDs com os filmes comprados é vedada. O preço dos filmes na Amazon Unbox varia bastante, mas os mais caros situam-se na média entre os US$ 10,00 a US$ 15,00.

A venda de filmes pela rebatizada iTunes Store – lançada em evento dia 12 de setembro, menos de uma semana depois do anúncio da Amazon –, da Apple, possui as mesmas limitações daquele oferecido pela Amazon: os arquivos não podem ser utilizados para gerar um DVD-video comum e estão restritos a um único aparato de reprodução (neste caso, o iPod reprodutor de vídeo) fora o computador (PCs com Windows ou Macs, no caso da iTunes Store). A Apple promete um box reprodutor de filmes sem-fio para o início de 2007, um mecanismo bem interessante que escapa um pouco da restrição dos aparelhos de reprodução caros e de telas minúsculas. No mais, os vídeos vendidos pela Apple (que especifica com clareza a resolução dos filmes, coisa que a Amazon não faz) são mais leves para baixar e possuem resolução de 640 por 480, bem próxima daquela obtida em um DVD. Além disso, o software da Apple, o iTunes, é muito bem estruturado e fácil de usar, além de estar na versão 7, correndo um risco bem menor de sofrer com bugs e panes repentinas. No quesito séries televisivas, o serviço da Apple apresenta um leque de opções bem maior que o da Amazon, incluindo séries de imenso sucesso como a recente Lost. Os preços, no serviço da Apple, são: mais ou menos US$ 10,00 por filme de longa metragem e US$ 2,00 para episódios de séries e outros shows televisivos (há descontos e promoções, evidentemente).

Ainda são poucos os estúdios apoiando essas pioneiras lojas online: alguns blockbusters da Warner, como V de Vingança (V for Vendetta, 2006) estão representados na Amazon Unbox. A Apple conseguiu atrair a Disney, Pixar, Touchstone e Miramax (todos estúdios vinculados à Disney). Por outro lado, pequenas distribuidoras e selos independentes e de arte também se arriscam no novo meio, apresentando até mais coragem, inventividade e inovação que os big players: por um curto período de tempo, a distribuidora francesa Blaq Out ofereceu o filme Le Petit voleur (1999) de Eric Zonka, no formato VOD (Video On Demand). Como se vê, apesar da potencialidade comercial, o mercado ainda é bastante incipiente. De qualquer forma, o impacto da pirataria e de outras formas de distribuição digital já atingem o mercado brasileiro: edições "especiais", "do colecionador" ou limitadas de títulos em DVD, no Brasil, ou não são lançadas ou demoram meses para sê-lo. Resta saber se a idéia aventada por Martin Scorcese – e que move muitos colecionadores – de que colecionar DVDs guarda semelhanças ao gesto do bibliófilo de colecionar livros, ainda tenha seu espaço no universo digital.

Links

- YouTube
- Creative Zen (players de vídeo compatível com o Amazon Unbox)
- Amazon Unbox
- Apple iTunes/iPod
- Serviço de venda de filmes da iTunes Store
- Blaq Out

Alcebiades Diniz Miguel

UPDATE: O iTunes Store funciona apenas em alguns países – o Brasil não é um deles – e o serviço de venda de filmes longa-metragem só está disponível, por ora, nos EUA.

terça-feira, setembro 12, 2006

NFB lança edição definitiva de Norman McLaren



Como parte das comemorações de seus 65 anos de animação, o lendário NFB (National Film Board) do Canadá lançou em DVD a coleção definitiva dos trabalhos de Norman McLaren (1911-1987), animador escocês, o primeiro a se integrar ao time da NFB, ganhador de inúmeros prêmios – entre eles o Oscar pelo melhor curta de animação com Neighbours (1952) –, criador de técnicas revolucionárias diluídas pelos canais de televisão até os dias atuais e, em síntese, um dos artistas mais extraordinários do século, cujo nome se associa à criação visual e narrativamente complexa da imagem viva que é a animação.

A caixa, batizada Master's Edition, é composta por 7 DVDs, que incluem 58 filmes de McLaren (inclusive testes e projetos inacabados), 15 documentários, entrevistas e vasto material sobre o multifacetado processo criativo de McLaren. Cerca de 38 filmes, inclusive, estão restaurados, processo que implicou em um dos principais desafios da equipe envolvida no lançamento da caixa: como restaurar, utilizando processos tecnológicos, sem trair a obra de um artista que utilizava processos criativos considerados "rudimentares" para os dias de hoje? A preocupação central foi em preservar sem destruir, em respeitar a obra e fazer o possível para não pasteurizar os "defeitos" que são, na verdade, constitutivos das técnicas que o animador empregava.

Por tudo isso, a caixa Master's Edition é obrigatória: para qualquer um que ame o cinema e também para todos que, pesquisadores ou não, entendam as possibilidades tecnológicas de restauração e preservação como necessárias, mas não como um fim em si.

Link:

- Press release da caixa Norman McLaren - Master's Edition

Alcebiades Diniz Miguel

quarta-feira, setembro 06, 2006

Novas Tecnologias Digitais: Holografia

A holografia é uma tecnologia – criada pelo físico húngaro Dennis Gabor, prêmio Nobel em 1971 – utilizada para visualizar ou projetar imagens em três dimensões. Mas atualmente, novas aplicações surgem para essa tecnologia que estava algo esquecida (seus dias de glória foram nos anos 1970). Discos ópticos baseados em tecnologia holográfica, denominados HVC (Holographic Versatile Card ) podem armazenar 30 gigabytes em mídias do tamanho de cartões de banco, com custos muito baixos, serão comercializados no final de 2006, como alternativa aos formatos moderrnos de DVD baseados em luz azul (BRDs e HD DVDs). Mesmo filmes estão planejados para lançamento nessa nova mídia.


Por outro lado, a tecnologia holográfica, mesclada à computação gráfica e animação, também pode resultar em lindas, complexas, esculturas vivas e animadas. Um exemplo foi a animação fantasmagórica da modelo Kate Moss, trabalho dirigido por Bailie Walsh com o apoio da Gainsbury and Whiting para o desfile de outono/inverno de Alexander McQueen.


Links:

- Holographic Versatile Card (HVC)
- HVC para vídeo
- Site da Gainsbury and Whiting
- Vídeo da escultura animada de Kate Moss

Alcebiades Diniz Miguel

terça-feira, agosto 01, 2006

O canto de sereia tecnológico

Desde as primeiras lanternas mágicas ou do “teatro óptico” de Emile Reynauld até modernas obras como Carros (Cars, 2006) da Pixar, inteiramente construído em complexos softwares de computação gráfica, as animações sempre surgem como a vanguarda da visualidade pura, e não é por acaso que, bem antes das plataformas digitais de edição e efeitos tomarem de assalto o cinema, animadores como Ray Harryhausen criassem magníficos efeitos visuais inteiramente baseados em animação. Sem dúvida, a tecnologia mais moderna dessa época foi utilizada nesse caso, mas seu sentido não foi transformado em fetiche do novo, em fim em si que justificasse a existência do filme – que inclui roteiro, direção, design de produção, atuação em live action ou animada etc. – quase como moldura para algum efeito visual particularmente sofisticado e impossível de realizar até um ou dois anos antes. Percebemos, assim, que não são de fato as novas tecnologias as culpadas pela perda do sentido de poesia e imaginação que havia em muitas animações do passado – todas elas realizadas com a tecnologia disponível à sua época –, mas a valorização dos produtos de animação por causa quase que unicamente delas, esquecendo que um bom filme de animação necessita de muitos outros requisitos. Nesse sentido, é curioso perceber que a arte da animação cria um campo inédito, no qual custosas, precárias e “ultrapassadas” técnicas de criação continuam a vigorar e produzir em plena era da computação gráfica, na qual muitos analistas já prognosticam mesmo o desaparecimento do ator e a transformação do cinema em catarse audiovisual derivada dos games.

Nesse sentido, ao ler algumas das recentes resenhas para as animações A casa monstro (Monster House, 2006) e O homem duplo (A Scanner Darkly, 2006), percebemos que, em pleno século XXI, a animação ainda é uma arte considerada meramente um “meio” derivado do cinema, sem autonomia, capaz apenas de produzir diversão simplória e que necessita caprichar em “doces audiovisuais” para despertar no público algum interesse. Os dois longas de animação, lançados recentemente nos EUA, utilizam de fato tecnologias de ponta: o processo de animação por captura de movimentos empregado em Monster House e a rotoscopia dinâmica de A Scanner Darkly. No primeiro momento, o crítico Mick LaSalle escreveu para o jornal San Francisco Chronicle de 21 de julho uma resenha na qual afirma que “a animação nunca conseguiu representar a face humana”, colocando que a técnica da captura de movimento permitia ver “algo novo” que superaria qualquer animação anterior, lamentando que Disney não possuísse tal recurso ao realizar Branca de Neve e Os Sete Anões (Snow White and the Seven Dwarfs, 1937). Objetivamente, a afirmação de LaSalle não estaria equivocada: os modernos processos de mockup e scanning de atores, vistos em obras como a refilmagem de King Kong (idem, 2005) criam um efeito de verossimilhança inigualável. Mas o fato é que todas as infinitas possibilidades que tais recursos colocam nas mãos de designers e animadores são aprovitadas apenas para o aumento da verossimilhança dos filmes: a essência poética, derivada de um aparato tecnologicamente muito mais simples – a arte da narrativa – se perdeu no meio do processo. Logo depois, o crítico James Lipton colocou, no programa Inside Actor’s Studios, que o processo de rotoscopia de A Scanner Darkly, no caso do ator Robert Downey Jr., era “mais efetivo que o desempenho de personagens animados”. Lipton acredita firmemente que o "realismo animado" produz como conseqüência um desempenho, no sentido da atuação dos atores, muito mais convincente que qualquer animação poderia obter. Sem dúvida, o crítico reduz duas possibilidades de expressão específicas – o cinema de live action e a animação – a um denominador único, que possuiria atributos intercambiáveis e poderia ser julgado nos mesmos termos. Para chegar a tais conclusões, o fascínio pela moderna tecnologia que permitiu a Robert Downey Jr. "transformar-se" em animação revela-se como subtexto.

No campo oposto, Jaime J. Weinman, do blog Something Old, Nothing New, afirma que a captura da performance de um ator – que chama de mera "imitação" – jamais alcançaria a expressividade e a capacidade imaginativa daquela obtida por um artista. Utiliza como comparação uma seqüência na qual Rob Scribner anima o personagem Buggs Bunny (Pernalonga), obtendo, de fato, um condensado complexo e estilizado de expressões. Pois de fato – e isso Weinman sublinha – um desenho é, em geral, bem mais sugestivo e expressivo que uma fotografia. O erro de Weinman é acreditar que a expressividade depende da técnica empregada – no caso, o desenho 2D –, e não do talento do animador, esquecendo que podemos animar e dotar de incrível expressão quadros estáticos (como já demonstrou Norman McLaren) e também fotografias. Weinman exila a animação no campo do cartoon, ao focar seu ponto de vista essencialmente no material desenhado, esquecedendo que boas obras de animação tornam expressivos bonecos de madeira, pedaços de papel, chapas de areia, a sombra de objetos, etc. As opiniões expressas em blogs como Cartoon Brew e Something Old, Nothing New repisam velhos preconceitos contra a tecnologia digital em geral – e de captura de movimentos, em particular – que animadores do universo cartoon costumam esboçar, por temer que seu espaço seja diminuído por técnicas de reprodução mimética incrivelmente precisas. O pesquisador João Victor Boechat Gomide, em sua ainda inédita dissertação de mestrado Captura Digital de Movimento no Cinema de Animação (cujo resumo o professor Luiz Nazario gentilmente nos forneceu) analisou esses preconceitos, já abertos desde a utilização da rotoscopia – técnica manual para a captura de movimento, criada pelos irmãos Fleischer – nos anos 1930 até a entrada em cena da computação gráfica e do mocap digital: muitos animadores chamavam as técnicas de captura de movimento digital de "rotoscopia do diabo", como uma anti-arte diabólica que roubaria empregos e tornaria a animação a robótica repetição de patterns captados dos atores. Portanto, desmistificando a posição anti-tecnológica de muitos animadores, as possibilidades expressivas não estariam perpetuamente associadas a uma forma de animar, mas dependem diretamente do talento do animador.

No debate todo, percebe-se que a discussão em torno da tecnologia toma rumos curiosos: de um lado, críticos e jornalistas que costumam avaliar a animação como uma espécie de "expressão menor" do cinema e esperam, justamente, novos rumos para ela, muitas vezes encarando tecnologias de ponta eventualmente empregadas como "salvação"; e os animadores, que pretendem que sua arte seja uma expressão ex nihilo que surge com a mínima intervenção de tecnologias que dominam e muitas vezes escondem, como fez Disney com a rotoscopia na animação de personagens humanos. Uma discussão nesses termos, sem dúvida, está fadada ao beco sem saída das retóricas saudosistas ou progressistas, vazias em essência. A narrativa – essencial para toda e qualquer obra fílmica – é que precisa ser redescoberta, para que o cinema volte a ser o sonho ou o pesadelo acordado único que foi no passado.

Links (em inglês)

- Resenha de Mick LaSalle
- Cartoon Brew
- Something Old, Nothing New

Alcebiades Diniz Miguel

quinta-feira, julho 20, 2006

Digitalizando Toda a Memória do Mundo

Em 1956, Alain Resnais realizou um documentário assustador sobre a Biblioteca Nacional de Paris: Toda a memória do mundo (Toute la mémoire du monde). O cineasta havia acabado de realizar outro documentário, igualmente assustador, sobre os campos de morte nazistas, Noite e brumas (Nuit et brouillard, 1955). Os dois curtas-metragens, de temas tão diversos, tinham algo em comum: eles nos faziam encarar uma realidade vertiginosa e insuportável. Os nazistas pretendiam embelezar e dominar o mundo e criaram um vasto e elaborado sistema industrial de “limpeza étnica”, que se revelou o maior horror, a maior “sujeira” da História. Ampliando o foco, o homem, em sua passagem pela Terra, quer embelezar e dominar o mundo e criou um sistema de organização de seu conhecimento, no qual mergulha como num labirinto borgiano sem saída, perdendo-se para sempre... No filme de Resnais, o prédio da Biblioteca Nacional assumia por momentos o caráter de um KZ da dimensão do campo de Auschwitz: ali estavam concentrados todos os livros publicados em séculos de história humana, ali estava contida, presa, martirizada, sufocada, “toda a memória do mundo”. E os travellings que a câmara do diretor realizava no interior desse monstruoso cérebro nervurado de estantes a perder de vista, transmitiam a vertigem do choque entre o pouco tempo que nos era dado viver e a vida infinita que seria necessária para se possuir toda essa desejada, apesar de tão dolorosa, memória do mundo.

No princípio dos anos 1970, os arautos da revolução digital vieram dar um ingênuo e arrogante “fim” a essa angústia infinita. Em 1971, precisamente, a Declaração de Independência dos Estados Unidos foi “disponibilizada” numa biblioteca de rede eletrônica. Michael Hart fundava o Projeto Gutenberg, a mais antiga fonte de e-books da Internet, de onde são baixados, gratuitamente, 2 milhões de títulos por mês. Seguindo a tendência, a World e-Book Library, que cobra US$ 8,95 por ano para acesso ilimitado ao seu banco de dados, possui 250 mil títulos de autores mortos há mais de 70 anos, cujas obras caíram, assim, em domínio público, ou de autores cujos direitos foram liberados, digitalizados. Juntando suas forças, o Projeto Gutenberg e a World e-Book Library, baseados nos Estados Unidos, mas com escritórios na Europa e Austrália, permitiram o download gratuito de 333 mil títulos durante sua primeira feira on-line, projetando um número de 1 milhão de e-books gratuitos na rede até 2009 e de 10 milhões até 2020. Se o mercado comercial de e-books fracassou em todo o mundo, cada vez mais livros eletrônicos são baixados em computadores portáteis, celulares e iPods da Internet: Para essas pessoas que cresceram jogando em GameBoys, a tela tem um tamanho padrão; para nós, veteranos, pode ser pequena; mas eles não ligam, sustenta Hart, que ainda afirma uma monstruosidade que bem deve ser verdade: Já recebi mensagens de pessoas dizendo que nunca teriam lido Shakespeare se eu não tivesse colocado na internet. [SIMÕES, EDUARDO. Evento coloca mais de 300 mil livros para download gratuito, Folha de São Paulo, Caderno Ilustrada, São Paulo, 4 de julho de 2006].

Também no Brasil, a digitalização da memória do mundo avança a passos gigantescos. Em 1995, através de um protocolo assinado entre autoridades portuguesas e brasileiras no âmbito da Comissão Bilateral Luso-Brasileira de Salvaguarda e Divulgação do Patrimônio Documental (COLUSO), foi criado o Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco, com o objetivo de disponibilizar documentos históricos relativos à História do Brasil existentes em arquivos de Portugal e demais países europeus. A iniciativa fundamentou-se na resolução nº. 4212, de 1974, da UNESCO, que convidou seus Estados a transferir as informações contidas nos documentos provenientes de arquivos constituídos no território de outros países ou se referindo à sua História. Coordenado desde 1996 pelo Ministério da Cultura, o Projeto Resgate envolve mais de 110 instituições públicas e privadas, brasileiras e portuguesas e mais de 100 pesquisadores, numa iniciativa sem paralelo na preservação em meio digital dos suportes documentais da memória nacional: 340 mil documentos (ou 3 milhões de páginas manuscritas) relativos a 18 capitanias da América portuguesa depositados no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa (AHU), o maior acervo de documentação colonial brasileira no exterior, foram descritos, classificados, microfilmados e digitalizados. Os arquivos estaduais receberam cópia microfilmada da documentação do passado colonial de seus estados e a Biblioteca Nacional preserva toda a coleção em microfilmes.

Associado ao projeto, existe instalado na Universidade de Brasília (UnB), desde 2003, um Centro de Memória Digital (CMD), integrado por professores e alunos de graduação e pós-graduação dos cursos de História, Letras, Engenharia de Redes, Comunicação e Ciências da Informação, com o objetivo de preservar e divulgar o patrimônio histórico documental em meio digital. Em razão da dimensão monumental, o Projeto Resgate em Conteúdo Digital pretende agregar outras instituições mantenedoras de acervos documentais interessadas em sua difusão.

O Portal Domínio Público, lançado em novembro de 2004, colocou à disposição dos usuários da Internet uma biblioteca virtual com acervo inicial de 500 títulos (hoje contém já 732 obras de literatura só em língua portuguesa). O portal permite coletar, preservar e compartilhar conhecimentos, sendo seu objetivo promover o amplo acesso às obras literárias, artísticas e científicas (textos, sons, imagens e vídeos) que caíram em domínio público ou tiveram sua divulgação autorizada. Ao disponibilizar informações e conhecimentos de forma livre e gratuita o portal também pretende, espertamente, estimular a discussão sobre as legislações relacionadas aos direitos autorais...

Finalmente, a Coleção Capes de Humanidades, constituída de 150 mil livros publicados no século XVIII (ou 33 milhões de páginas contendo obras de literatura, artes, história, geografia, ciências sociais, religião, filosofia e medicina) foi disponibilizada para a comunidade acadêmica. Obras completas de filósofos como Emmanuel Kant ou de cientistas políticos como Adam Smith, integrantes da Biblioteca Nacional Britânica, foram digitalizadas. Os livros são apresentados em inglês, francês, alemão e até latim. A presidente da Comissão Brasileira de Bibliotecas Universitárias (CBBU), Sigrid Weiss Dutra, observou que seria inviável reunir um acervo como esse de forma física.

Toda essa memória digitalizada, todo esse conhecimento “democratizado” e “disponibilizado”, todo esse oceano de informações úteis e inúteis misturadas e revolvidas, todo esse sórdido comunismo do saber parece estar esgotando a todos. Não se consegue mais simplesmente ler um livro, pois há demasiadas páginas on line para ocupar os olhos, queimados lentamente; não se consegue mais relaxar, estar em paz, gozar o prazer de levar para o quarto um bom romance, que faça o homem assolado pelas realidades justamente esquecer esse mundo. Diante de tantos textos digitalizados oferecidos ao leitor, transformado em “usuário”, aqueles que – como os heróis da maravilhosa visão futurista de Farenheit 451 (1966), de François Truffaut, inspirada na novela de Ray Bradbury, lançado em DVD pela Universal Home Vídeo –, quiserem manter sua humanidade, terão que saber, sim, manipular esses instrumentos diabólicos, fazendo suas pesquisas on line quando necessário; mas buscando, sempre que possível, salvar das chamas digitais um único e bom livro de papel, para nele se refugiar do admirável mundo novo que se descortina, voltando com prazer suas costas para a tela luminosa, irritante, barulhenta, horrorosa, torturante, do computador.

Fontes

Projeto Resgate
Centro de Memória Digital
CAPES
Portal Domínio Público
World E-Book Fair
Project Gutenberg

Filme em DVD indicado: Farenheit 451

Luiz Nazario

domingo, julho 16, 2006

Sony decreta fim de discos UMD

Os formatos proprietários, muito específicos ou focados em nichos de pouca difusão, parecem estar com os dias contados. A Sony anunciou recentemente que seu UMD (acrônimo de Universal Media Discs), direcionado para reprodução nos consoles portatéis da Sony PSP, foi cancelado. O motivo: as baixas vendas de filmes nessa mídia, que levaram estúdios como a Universal e a Paramount a cancelar o lançamento de títulos no formato. O golpe sobre a Sony foi duro: enquanto o formato de distribuição digital da Apple, através da Internet, é aplaudido por emissoras de TV, estúdios e usuários, os métodos proprietários da Sony não conseguem a mesma unanimidade. Mas a empresa japonesa não desistiu: o cancelamento do UMD abriu espaço para o lançamento de outro formato, o Memory Stick Entertainment Packs (MSEP). O MSEP nada mais é que os cartões de armazenamento da Sony (os Memory Sticks) usados para distribuir filmes de um catálogo limitado e nada interessante (os primeiros lançamentos são Hitch, S.W.A.T., The Grudge e XXX: State of the Union), em resolução menor que a dos UMDs e com preços abusivos. A lição dos UMDs ainda não foi absorvida...

Via Real Tech News (em inglês).

Alcebiades Diniz Miguel

Fórum sobre Preservação e Restauração - 2005

O I° Estágio Ibermedia de Restauração Digital, que reuniu profissionais ligados a diferentes instituições de cinco países latino-americanos (México, Chile, Brasil, Bolívia e Argentina), encerrou-se, em outubro de 2005, com o Fórum de Debates sobre Preservação e Restauração de filmes no Brasil e na América Latina, ocorrido na Cinemateca Brasileira. Associado ao Projeto de Restauração dos Filmes de Joaquim Pedro de Andrade (que enfrentou diversas dificuldades ao recuperar a obra completa deste cineasta utilizando tecnologia digital de alta definição), o Estágio promoveu o encontro de pesquisadores, cineastas, técnicos e representantes de acervos fílmicos para discutir temas estruturais para a preservação e restauração do audiovisual no Brasil: a utilização das tecnologias digitais e fotoquímicas e seus aspectos éticos e estéticos; a colaboração entre herdeiros, detentores de direitos de acervos fílmicos e arquivos brasileiros; e as formas de colaboração desenvolvidas em diferentes projetos - métodos de trabalho, dificuldades e perspectivas, questões jurídicas e institucionais correlatas; a necessária cooperação nacional e internacional entre arquivos fílmicos; a difusão dos filmes restaurados, sua distribuição comercial e não-comercial em salas de cinema, televisão, vídeo e DVD, cujas edições críticas favorecem uma melhor compreensão da história do cinema.

Participaram do Fórum: Alex Andrade (Núcleo de Programação da Cinemateca Brasileira); Alexandre Pimenta (CRAV - MG); Alice de Andrade, Antonio de Andrade e Maria de Andrade (Projeto Joaquim Pedro de Andrade); Alice Gonzaga (Cinédia); Angel Martinez (Filmoteca da UNAM); Augusto Sevá (cineasta, ex-diretor da Ancine); Carlos Roberto de Souza (Departamento de Acervo da Cinemateca Brasileira); Chico Moreira (Labocine); Clóvis Molinari (Arquivo Nacional); Djin Sganzerla (Projeto Rogério Sganzerla); Eduardo Lopez (Cinemateca Boliviana); Eugênio Puppo (Projeto Primo Carbonari); Fábio Fraccarolli (Restaurador - Estúdios Mega); Fernanda Coelho (Departamento de Preservação da Cinemateca Brasileira); Helena Ignez (Projeto Rogério Sganzerla); Hernani Heffner (Cinemateca do MAM); Ismail Xavier (pesquisador); Jefferson Pugsley (Paramount); Joel Pizzini (pesquisador); Johan Prijs (consultor técnico de restauração); José Luiz Sasso (JLS Facilidades Sonoras); Luciana Corrêa de Araújo (pesquisadora); Luiz Adelmo (editor de som); Marcelo Siqueira (Diretor técnico - Teleimage); Mário Carneiro (fotógrafo); Myrna Brandão e Carlos Brandão (CPDOC); Paloma Rocha (Projeto Glauber Rocha); Patrícia de Filippi (Laboratório de Restauração da Cinemateca Brasileira); Sérgio Martinelli (Projeto Vera Cruz); Sérgio Serapião (Projeto Cine-Educação); Tarcísio Vidigal (Grupo Novo de Cinema e TV); Vladimir Carvalho (cineasta). Foram apresentados alguns dos filmes recentemente restaurados por processos digitais e e/ou fotoquímicos, bem como documentários relacionados a cada processo.

quarta-feira, junho 21, 2006

DVDs de Arte no Brasil – o Caso Magnus Opus

No mundo inteiro, o grosso dos lançamentos em DVD atende a uma vasta demanda multifacetada, na qual cabe de tudo um pouco. É evidente que filmes recentes e de sucesso ocupam o lugar de destaque a cada “maré” de lançamentos: afinal, um blockbuster no cinema provavelmente terá o mesmo desempenho tão logo seja lançado em formato digital. A lógica se repete mesmo nos moderníssimos HD-DVD e BRD: praticamente não há filmes anteriores aos anos 1980 – apenas uma exceção – entre os HD-DVDs disponíveis no Brasil, comercializados pela Laserland, todos filmes de amplo sucesso comercial.

Nesse contexto, os chamados “filmes de arte” acabam sendo comercializados por distribuidoras que se especializam em tais títulos. Os paradigmas – em quantidade de títulos e qualidade de material – são empresas como as norte-americanas Criterion, Milestone e Kino Video, além das européias bfi e Eureka/MoC (Inglaterra), Blaq Out e Carlotta (França), Raro Video (Itália) e Asmik Ace (Japão). Tais distribuidoras buscam ter como norte orientador um forte conceito de qualidade: da criteriosa escolha dos títulos ao acabamento gráfico e visual de cada edição; da seleção das cópias – em geral, restauradas, quando não melhoradas pelas próprias distribuidoras – à escolha de scholars para escrever ensaios críticos inéditos acerca dos filmes lançados; dos ricos menus e opções de autoração aos inúmeros extras; dos sítios na Web, sempre atualizados, à ampla distribuição. Todas essas distribuidoras cobram um preço mais alto por suas produções, mas os prováveis compradores, consumidores exigentes que apreciam filmes clássicos, raros e “cults” e que vasculham o mundo em busca desses filmes – não se importam em pagar mais sabendo que o produto vale o preço cobrado desde a capa até cada frame contido no DVD. É com esse comprador que tais distribuidoras contam.

No Brasil, o início do novo milênio marcou a entrada no mercado de algumas empresas buscando essa fatia pequena, mas de liquidez certa. Uma das pioneiras – ao lado da Continental – foi a Magnus Opus, com sua proposta de catálogo diferenciado, que traria ao consumidor brasileiro títulos da vanguarda do cinema, com ênfase nas cinematografias européia e japonesa e no cinema independente norte-americano, completamente diferente da média, mesmo dos clássicos que a Continental costumava lançar. Diretores como Yasujiro Ozu, Robert Bresson, Benjamin Christensen, Jean Epstein, George Franju, Carl Dreyer, Ray Harryhausen e Paul Leni, cuja maior parte ou totalidade das obras permanecia inédita no Brasil, finalmente despontaram por aqui. Uma sucessão de lançamentos de tirar o fôlego atraiu os cinéfilos mais exigentes e refinados, que precisavam importar – pagando taxas e valores elevados, arriscando nada receber, dependendo do canal de distribuição escolhido – seus preciosos DVDs, podiam agora ter acesso, no Brasil, a filmes raros e desconhecidos. A Magnus Opus seguia de perto os modelos citados, e parecia que o sonho de uma boa distribuidora de filmes de arte brasileira materializava-se.

Mas a verdade é que nem tudo é o que parece: uma série de tropeços colocou em questão não a bem cuidada seleção de lançamentos da Magnus, mas sua capacidade de produzir DVDs à altura dos títulos anunciados. As primeiras caixas, Tour de France e Um olhar japonês, apesar do design de capa e embalagem de qualidade duvidosa (como os da maioria dos DVDs brasileiros) apresentavam uma prensagem de boa qualidade. O padrão começou a cair com O horror silencioso: uma leva de cópias do DVD O gabinete das figuras de cera (Wachsfigurenkabinett, 1924) chegou às lojas sem o prometido encarte com análise crítica. A qualidade de codificação de Sangue de pantera (Cat People, 1942), muito aquém do esperado, provocou reclamações generalizadas, como a do crítico Inácio Araújo em sua seleção para o sítio da 2001. Os problemas, contudo, não foram minimizados nos novos lançamentos. A primeira série do DVD O horror vem do espaço (Fiend without a Face, 1958) chegou com um problema de codificação grave nos primeiros minutos de filme, truncando-o. As promissoras coleções de curtas-metragens Cinema Avant-garde e Animazing estão repletas de erros que vão do mais simples ao gravíssimo: erros de digitação e revisão (mesmo nos títulos dos filmes), passando por erros de interface e navegação dos DVDs (não existe, facilmente identificada, uma opção para que os filmes toquem em seqüência, impedindo irritantes idas e vindas até o menu principal) até problemas de codificação que resultam em filmes truncados. O pior foi o caso do volume cinco da série Animazing, com preciosidades de Jiri Trnka e George Pal: a capa anuncia um DVD duplo, que se revela um DVD simples. O longa-metragem – igualmente anunciado – O imperador e o rouxinol (The Emperor’s Nightingale, 1949) não consta do DVD, que ainda possui uma quantidade assustadora de erros de codificação. Essa sucessão de desastres fez a 2001 recolher todas as cópias desse lançamento a venda e para locação. O pior problema são os erros de codificação, materializados de diversas formas: artefatos (surgimento de feios blocos uniformes de pixels, os pontos que compõem a imagem na tela da televisão), truncamento do filme com imagem congelada, tela inicial ignorando comandos ou player não reconhecendo a mídia inserida. O retrato pouco simpático da Magnus para o público é completado por um sítio na Net raramente atualizado e uma distribuição esporádica e irregular.

Nem tudo, contudo, está perdido. É especialmente louvável a iniciativa da Magnus em procurar historiadores do cinema para comentar os filmes em versões com áudio e escrever seus encartes e notas internas sobre os filmes (O gabinete das figuras de cera, O homem que ri, Zaroff – Caçador de vidas, Monstros, Sangue de pantera, Titanic); nisto seguindo o bom exemplo das melhores distribuidoras européias e norte-americanas dos DVDs de filmes de arte, como a Criterion e a RaroVideo – esta chega a publicar, como encarte, livretos de críticos e especialistas com até quarenta páginas. Muitos lançamentos da Magnus também possuem a melhor qualidade de cópia disponível e boa prensagem: filmes da caixa Dreyer, como Mikael (idem, 1924), estão impecáveis, o mesmo valendo para o recente Diário de uma garota perdida (Tagebuch Einer Verlorenen, 1929). Esses lançamentos indicam o caminho que a Magnus Opus deveria seguir sempre, pois se é verdade que até grandes distribuidoras lançam DVDs defeituosos, também é verdade que muitas aprendem com os próprios erros, aprendizado que se reflete em posteriores lançamentos.

Links:

Asmik Ace
Blaq Out
British Film Institute (bfi)
Carlotta Films
Criterion
Eureka/Masters of Cinema
Kino Video
Magnus Opus
Milestone
RaroVideo

Alcebiades Diniz Miguel

Update: Recentemente, um representante da Magnus Opus entrou em contato com os editores deste blog questionando algumas de nossas impressões e o fato de não termos consultado a empresa para os devidos esclarecimentos. Não somos, contudo, jornalistas atrás dos fatos “objetivos”, mas cinéfilos apaixonados, exercendo nosso direito à crítica dos DVDs que consumimos. Não acreditamos que, para isso, sejam necessários profundos conhecimentos em autoração ou design digital.

Tampouco acreditamos que seja preciso, antes de formular nossas críticas, consultar as empresas que colocam os discos no mercado para saber por que tal ou qual DVD não nos satisfez. Se somos bons o bastante para consumir esses produtos, somos igualmente bons para dizer quais nos satisfizeram, e quais não nos satisfizeram. É simples assim. Se por ventura atribuímos, injustamente, à Magnus Opus, a responsabilidade por erros cometidos por outras empresas com as quais ela trabalha, é porque o imprimatur final é do selo, que nos vende o pacote com tudo o que entendemos, bem ou mal, por "prensagem", "acabamento" e "decodificação".

Reafirmamos que o design das capas da Magnus Opusdesign que inclui as embalagens de carregação –, tenta atender simultaneamente as exigências de um público cult e as de uma empresa comercial: barato, mas com um passável ar de sofisticação. Não chega a ser tosco como tantas capas de DVDs de filmes clássicos produzidos pela Continental ou pela Classicline, mas está longe das soluções gráficas de uma Criterion, de uma RaroVideo, de uma Carlotta. A Magnus Opus vai tentando superar, com criatividade, o design pobre de outros selos independentes, e às vezes obtém sucesso, como no caso das caixas O Horror Silencioso e Cinema Fantástico.

Já os “erros de manuseio”, que fazem faltar encartes e discos prometidos nos pacotes comercializados, erros humanos que podem ocorrer a qualquer empresa, ao se repetirem continuamente fazem com que o colecionador desanime, sendo esse um consumidor bem mais exigente que o normal consumidor de DVDs. O cinéfilo não costuma reclamar sentado numa poltrona, criticando preguiçosamente: ele não apenas exige a troca do produto, como também deixa de comprar discos do selo, com arroubos de raiva, e medo de frustrar-se novamente. Quando o disco apresenta defeito, o cinéfilo tampouco se interessa em saber se o problema é de fabricação (colagem e prensagem da glass master) ou de autoração: a fruição da imagem está perdida, o prazer da possessão foi estragado, nem que seja por um único frame.

Não se pode perdoar, tampouco, a constância de erros de digitação e revisão, já que não faltam bons profissionais na área, bastando contratá-los. É um fato conhecido por todos os cinéfilos (que geralmente possuem mais de um aparelho) que os DVDs players não apresentam o mesmo padrão de programação, de modo que às vezes um DVD roda bem numa máquina e não em outra de marca ou modelo diferente, mas isso raramente ocorre no mercado nacional: um DVD produzido aqui deve ser capaz de rodar em todos os aparelhos nacionais – e aqueles cinéfilos que importam seus discos têm geralmente o cuidado de importar também seus aparelhos.

É verdade que a distribuição falha e irregular dos produtos dos selos independentes não é apenas responsabilidade das distribuidoras, mas também das lojas, por desacordos comerciais entre as partes e volatilidade do mercado. Mas nada disso interessa ao consumidor. O catálogo da Magnus Opus possui 63 títulos e em 12 deles ocorreram “problemas”: uma porcentagem de 20% de discos problemáticos parece-nos muito elevada.

As empresas independentes devem aprender a ouvir as críticas dos cinéfilos, reconhecendo seus problemas e não descartá-las como “meias-verdades” e “equívocos”. Nossas observações mabusianas não pretendem ter a “objetividade” das reportagens dos jornalistas, especialmente daqueles amaciados por explicações e brindes das empresas. Como já afirmamos, não somos jornalistas, mas cinéfilos. Nossa causa não é a “verdade”, mas a imagem mais perfeita, e sempre que tentarem vender-nos gato por lebre, estaremos aqui reclamando – e esse é o nosso direito de consumidores.

Luiz Nazario

Update 2: Sobre os produtos com defeito – que existem em qualquer processo de produção industrial – e os clientes que os compraram: jogar o ônus sobre o comprador é uma atitude pouco inteligente. Os sítios das empresas na Internet poderiam servir para isso: uma janela pop-up informaria aos compradores sobre eventuais defeitos constatados nos DVDs já lançados, com os procedimentos para a troca dos mesmos. Isto demonstraria que a empresa está preocupada com seus clientes, e que não deseja que se sintam lesados. Uma atitude como essa seria a indicação segura de um diálogo entre a empresa que se quer cult e seus clientes cinéfilos ou outros: diálogo inteligente, respeitoso e coerente.

Alcebiades Diniz Miguel

segunda-feira, junho 19, 2006

Títulos em formato HD-DVD chegam ao Brasil

A Laserland, conhecida loja de CDs e DVDs nacionais e importados no Brasil, começou a vender (com prazo de entrega de três dias) os primeiros títulos de HD-DVDs recém-lançados – no dia 18 de abril – nos EUA. A oferta ainda é bastante limitada: trata-se de filmes recentes como o musical O Fantasma da Ópera (The Phantom of Opera, 2004), O Último Samurai (The Last Samurai, 2003) ou Menina de Ouro (Million Dollar Baby, 2004). A quantidade limitada de títulos se explica, também, pelo fato de que o padrão ainda está em testes: só existem dois players de HD-DVD (o Toshiba HD-A1 e o Toshiba HD-XA1, lançados em 18 de abril) e mais dois computadores equipados com drives combinados – que tocam CDs, DVDs e HD-DVDs –, também da Toshiba. Mas, com o lançamento de outros players para breve, novos títulos deverão surgir.

Enquanto isso, a Sony lançou nos EUA os primeiros computadores PC – a marca tradicional da Sony, os VAIO – equipados com gravadores de BRDs (Blu-ray Discs). São dois modelos, um desktop e um espantoso notebook com capacidade de processamento e armazenamento que garantem o uso, visualização e manipulação de vídeos em alta definição, ideais para a nova mídia. À diferença da Toshiba, que investe inicialmente em players para um público doméstico, a Sony prefere ter como consumidor de primeira hora profissionais – da área de vídeo, sem dúvida – seduzidos pela capacidade de gravação dos BRDs.

Links:

- www.laserland.com.br
- Players da Toshiba
- Resenha (em inglês) do novo notebook da Sony com gravador de BRD
- Resenha (em inglês) do novo desktop da Sony com gravador de BRD

Alcebiades Diniz Miguel

quarta-feira, junho 14, 2006

Raio Azul: A Próxima Geração de DVDs está às Portas

Os DVDs e sua tecnologia surgiram em meados dos anos 1990, a partir de uma aliança entre Sony e Pioneer, que combatiam propostas de armazenamento digital para vídeo semelhantes que surgiam à época, como o MultiMedia Compact Disc (MMCD). O DVD constitui um padrão extremamente versátil e amplo, colaborando para a difusão e amplitude dos gêneros cinematográficos mais distantes e diferenciados, além de constituir uma sólida ferramenta de backup para os computadores pessoais. Mas, com o avanço de formatos ainda mais complexos, dotados de resolução de vídeo e áudio muito maior, a capacidade dos DVDs – de 4,7 gigabytes, considerada não muito tempo atrás uma quantidade imensa – se encontra em seu limite. É bem verdade que a tecnologia empregada nos DVDs foi uma extensão, uma melhoria, daquela emprega nos velhos CDs de áudio ou CD-ROMs de dados, que armazenam “exíguos” 700 megabytes: ambos utilizam uma raio laser de cor vermelha para leitura e gravação da dados, mas enquanto os CDs utilizam comprimento de onda de 780 nm (nanômetros), os DVDs empregam um registro algo menor, de 650 nm. Essa diferença de 130 nm garante a capacidade de gravação e versatilidade dos DVDs.

Contudo, com a difusão de formatos e aparelhos de TV de alta resolução (HD, ou High Definition), uma espécie de segunda vinda dos DVDs surge no horizonte: trata-se dos aparatos e mídias que utilizam uma raio laser de cor azul-violeta, empregando um comprimento de onda de 405 nm, o que garantiria a possibilidade de gravar até 50 gigabytes de dados em discos de camada dupla. Essa capacidade de armazenamento, imensamente superior àquela dos DVDs atuais, possibilitará a gravação de filmes complexos em altíssima resolução, com imagem e som de qualidade cinematográfica; ou o armazenamento de toda a produção fílmica, restaurada, de um Dreyer ou Hitchcock em um ou dois discos. Além disso, os discos no novo formato trarão novas formas de interatividade, inclusive com o emprego de linguagens de programação bem mais sofisticadas – Java e Extensible Markup Language (XML) – para a autoração de conteúdo, algo que vai muito além da simplória forma de criação de conteúdo nos DVDs atuais, com seus botões fixos e menus em loop. Mas, como em casos passados do estabelecimento de outros padrões na indústria audiovisual, há uma disputa feroz em torno de duas “abordagens” para as mídias/equipamentos que utilizem o “raio azul”: o Blu-Ray Disc (proposto pela Sony, reúne empresas de vanguarda no setor tecnológico, como Apple Computer e HP, além dos estúdios Disney, Twentieth Century Fox e Warner) e o HD DVD (promovido pela Toshiba, Nec e Sanyo, tendo o apoio das poderosas Microsoft e Intel, e de estúdios como Paramount e Universal, além da Warner, que aparentemente apóia os dois formatos). As diferenças são basicamente entre capacidade de armazenamento (um Blu-Ray Disc de camada simples teria 25 gigabytes, enquanto um disco semelhante no formato HD DVD teria 15 gigabytes), mas a guerra de padrões está apenas começando, uma vez que os principais adversários (Sony de um lado e Toshiba de outro) já anunciam para breve o lançamento dos primeiros tocadores e gravadores utilizando esses formatos. Vários filmes também foram anunciados, indicando que a briga será longa.

Correndo por fora está o Enhanced Versatile Disc ou EVD, lançado pelo governo chinês em 2003, como forma de driblar os custos de utilização das tecnologias de codificação e proteção de dados usuais em DVDs (como Macrovision e MPEG-2). O EVD, como os outros mencionados formatos de nova geração aceitam formatos HD. Isso ocorre graças à ferramenta de codificação utilizada, chamada VP6 da On2 Technologies, mais barata e eficaz que aquela empregada em DVDs. Embora a oferta de filmes lançados nesse formato seja quase nula – quatro apenas, incluindo Herói e Clã das Adagas Voadoras – a opção chinesa abre caminho para soluções locais, mais baratas, como o Forward Versatile Disc (FVD), comercializado em Taiwan.

Links:
http://www.bluraydisc.com/
http://www.hddvdprg.com/
http://www.microsoft.com/windows/windowsmedia/musicandvideo/hddvd/default.aspx

Alcebiades Diniz Miguel

A Explosão do DVD no Brasil

Creio que foi em 1994, recém-chegado da Alemanha para defender na USP minha tese de doutorado sobre o cinema nazista, que importei meu primeiro aparelho de DVD. Naquela época, os discos existentes no Brasil eram todos importados e somente as megastores culturais, como o extinto Shopping Ática Cultural – um paraíso perdido... –, Saraiva e FNAC possuíam alguns poucos títulos, geralmente de blockbusters americanos, e umas caixas tentadoras, como as coleções Alfred Hitchcock. Mais tarde, a descoberta de uma casa que importava filmes de arte em DVD, a Laserland, trouxe-me uma alegria nova, mas efêmera, pois com o real desvalorizado tornou-se impossível comprar ali todos os discos que eu ambicionava possuir. Lembro-me ainda de que o primeiro filme lançado em DVD no Brasil foi Era uma vez na América, de Sérgio Leone. A Gradiente tentara difundir um aparelho de DVD desbloqueado, que logo foi retirado do mercado.

Em 1999, conversando com Fred Botelho, da 2001 Vídeo, afirmei que o DVD era o futuro do cinema, e que se fosse esperto, deveria apostar na venda de DVDs, pois os VHS estavam com os dias contados. É possível que tenha me ouvido, pois logo a 2001, investindo na comercialização de DVDs, cresceu rapidamente e multiplicou suas lojas. Como depois constatou o presidente da União Brasileira de Vídeo, Wilson Cabral (Jornal do Vídeo, novembro de 2003), o mercado do DVD consolidou-se no Brasil em 2002, com quase 4.990.000 unidades vendidas no ano e uma projeção de venda calculada em 7.800.000 para 2003: um crescimento anual de 40%...

Diferentemente do que ocorria com o VHS, que só vendia no varejo títulos para o público infantil, com o DVD o consumidor adulto passou a desejar possuir os filmes em live action: o colecionismo cinematográfico difundiu-se na classe média alta, e o DVD firmou-se como um dos principais “presentes de Natal”. Finalmente, com a estabilidade econômica, as vendas a crédito levaram o consumo dos aparelhos de DVD até as classes B e C, incrementando ainda mais o mercado varejista dos discos versáteis digitais. Essa explosão inundou as lojas e, em seguida, até os jornaleiros com um mar de títulos. A quantidade, dizia Karl Marx, gera a qualidade, e assim o mercado brasileiro assistiu ao surgimento de empresas diferenciadas que passaram a apostar em filmes clássicos, de arte, ensaio, vanguarda e cult.

Para citar apenas alguns exemplos de selos e lançamentos, depois da Continental (que lançou as caixas Expressionismo, Cinema Revolucionário Russo, Fritz Lang, Akira Kurosawa, Andrei Tarkovski, entre outras) e da Versátil (que lançou as coleções Federico Fellini, Roberto Rosselini, Franco Zeffirelli, Michelangelo Antonioni, Vittorio De Sica, Ingmar Bergman, etc.), o selo independente Magnus Opus apresentou a caixa Tour de France, com clássicos do cinema francês; O Horror Silencioso, com as fascinantes fantasias expressionistas O gabinete das figuras de cera e O homem que ri, de Paul Leni, e a intrigante produção sueca Häxan – A feitiçaria através dos tempos, do dinamarquês Benjamin Christensen; Cinema Fantástico, incluindo três cults do horror: Monstros, de Tod Browning, Zaroff – Caçador de vidas, de Ernest Schoedsack e Merian C. Cooper, e Sangue de pantera, de Jacques Tourneur; a caixa Carl Dreyer, com sete obras deste diretor; Cinema Avant-Gard e Animazing, reunindo diversas preciosidades do cinema experimental e de animação; a Classicline inundou o mercado com filmes antigos em edições baratas, às vezes resgatando pérolas, como Primavera, de Robert Z. Leonard; a Editora NBO lançou a preço de banana obras representativas do cinema inglês, incluindo Farsa diabólica, de Bryan Forbes, e clássicos dourados de Michael Powell, Emeric Pressburger e David Lean; e entrando no mercado de arte em grande estilo, superando a Magnus Opus em seu campo, a distribuidora Aurora está lançando uma série bem cuidada de maravilhosos filmes noir, como Silêncio nas trevas, de Robert Siodmak. No cinema, o futuro do passado é cada vez mais promissor para os verdadeiros cinéfilos.

Links:

http://www.dvdcontinental.com.br/
http://www.dvdversatil.com.br/
http://www.magnusopusdvd.com.br/
http://www.auroradvd.com.br/
http://www.laserland.com.br/
http://www.2001video.com.br/

Luiz Nazario