sábado, maio 26, 2007

Orwell, CIA e longa de animação britânico


As atribulações políticas envolvendo a produção de filmes é tema recorrente na produção acadêmica pelo mundo. O último livro lançado sobre esse tema é Orwell Subverted: The CIA and the Filming of Animal Farm, de Daniel J. Leab. Trata-se de uma análise, como o título indica, da intervenção ideológica da CIA durante a criação do primeiro longa de animação de entretenimento britânico, Animal Farm (1954), dirigido por Joy Batchelor e John Halas. O livro traz informações interessantes, retiradas de fontes novas como os arquivos Orwell e documentos da CIA advindos do Freedom of Information Act além de entrevistas com os diretores.

A questão sobre a intervenção da CIA situa-se no fato de que a esposa de Orwell, Sonia, vendeu os direitos de sua fábula anti-stalinista transformada Animal Farm para a CIA. O livro gira em torno das questões sobre manipulação ideológica sobre esse material. De fato, na animação, optou-se por uma série de mudanças decisivas – como a oposição entre humanos e porcos que inexiste no livro – mas também é verdade que a CIA escolheu uma obra que, como as de Arthur Koestler, foi escrita por um ex-militante de esquerda denunciando justamente os desmandos totalitários da esquerda.

Via Cartoon Brew.

Alcebiades Diniz

quinta-feira, maio 24, 2007

Raro filme hippie lançado em DVD

No dia 31 de maio de 2007 será lançado em DVD numa sessão única do Cine Clube Terra Brasilis, às 18h30, na Cinemateca do MAM, do Rio de Janeiro, Geração bendita: É isso aí, bicho! (1971), de Carlos Bini, produzido por Carlos Doady, e nunca exibido na sua versão original integral. Considerado “o primeiro filme brasileiro genuinamente hippie”, foi realizado por uma comunidade alternativa nos arredores de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, criada em fins dos anos de 1960, por brasileiros e estrangeiros unidos pelo mesmo ideal de “sociedade alternativa”. O acampamento durou apenas 3 anos, mas teve a boa idéia de produzir Geração bendita: É isso aí, bicho! – um manifesto em defesa de seu estilo de vida. Nunca, porém, pôde exibi-lo na íntegra – até hoje.

Durantes as filmagens, vários membros da equipe foram presos e tiveram seus cabelos raspados pelas autoridades. Depois de concluído com dificuldade, o filme foi proibido pela censura em 1971, que exigiu uma série de cortes que somavam mais de 40 minutos. Isso obrigou a equipe a refilmar seqüências inteiras para não inviabilizar a produção. Em 1973, o filme-mutante foi aprovado, mas não sem a imposição de novos cortes. Assim transformado pela censura em frankenstein de si mesmo, Geração bendita: É isso aí, bicho! chegou a ser lançado, mas apenas para ser, pouco depois, proibido e apreendido, permanecendo inédito desde então.

Em 2002, através da Cinemateca do MAM, os originais de Geração bendita: É isso aí, bicho! foram encontrados e transferidos para DVD. Raro documento de uma época e de uma de suas principais subculturas, assinado por integrantes da mesma, e não por observadores – críticos ou simpatizantes –, o filme possui ainda uma trilha sonora original composta pelo então desconhecido grupo Spectrum, mas cujos discos tornaram-se itens preciosos de colecionadores de raridades psicodélicas.

Esta sessão muito especial, em que se poderá apreciar a ressurreição de um filme alternativo cruelmente retalhado e enterrado vivo pela censura da ditadura militar, será acompanhada da projeção do documentário de curta-metragem Mutantes (1970), de Antonio Carlos Fontoura, com imagens da melhor banda de rock brasileira de todos os tempos, formada por Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias. Após a exibição, haverá um bate-papo com o produtor e o diretor de Geração Bendita - É isso aí bicho!, seguido da distribuição de brindes e da venda de DVDS do filme.

Sessão Terra Brasilis: Exibição dos filmes seguida de bate-papo com Carlos Doady e Carlos Bini.
Dia: 31 de maio de 2007.
Horário: 18h30.
Local: Cinemateca do MAM-RJ - Av. Infante D. Henrique, 85 - Praia do Flamengo – RJ

Luiz Nazario

Nasce a World Cinema Foundation

Escrevi em As sombras móveis, em 1999: “[…] O cinema mudo vive sua redescoberta, iniciada com as comemorações do centenário, que impulsionou a política mundial de restauração de películas, apoiada pela Unesco, seja para mostras e festivais de cinema, seja para comercialização de vídeos, LDs e DVDs. Com as novas tecnologias e a globalização do mercado, desaparecem as fronteiras entre o cultural e o comercial, e surge, pela primeira vez na História, uma oportunidade real de salvação e difusão da memória visual da humanidade. E assim, parafraseando Abel Gance, todos os clássicos, todos os mitos do cinema, e mesmo todas as cinematografias esperam sua ressurreição luminosa, e os tesouros das cinematecas acumulam-se às portas do mercado para ganhar uma nova vida através da tecnologia digital. O tempo da imagem voltou.”

Quase dez anos depois, Leon Cakoff escreveu: “Pelo terceiro ano consecutivo, impulsionado pelo mercado de DVDs, clássicos do cinema têm sido restaurados para ganhar sessões especiais em Cannes” (Jornal da Mostra, nº 492, 30ª Mostra, 15 mai. 2007). Nesta edição do festival foi anunciado a 22 de maio o lançamento da World Cinema Foundation (WCF), uma associação de cineastas, sem fins lucrativos, criada a partir de uma idéia de Martin Scorsese, com o objetivo de apoiar financeiramente a preservação, a restauração e a difusão de filmes de países de todo o mundo, em particular do cinema da África, da América Latina, da Ásia e da Europa central.

Integram a iniciativa o cineasta brasileiro Walter Salles, o chinês Wong Kar-Wai, o malinês Souleymanne Cisse, os mexicanos Alfonso Cuarón e Alejandro González Iñárritu, o britânico Stephen Frears, o mauritano Abderrahmane Sissako. Como observou Scorsese, é necessário atuar com a maior rapidez e eficácia para que a memória cinematográfica de cada país não seja perdida: “90% dos filmes rodados antes de 1950 nos Estados Unidos já não existem. As coisas mudaram, mas é impossível recuperar o que está perdido. Falta tenacidade dos cineastas, isso é o que tento despertar aqui”. Cada cineasta deveria trabalhar em seu país para recuperar seu patrimônio nacional e as grandes cinematecas e os festivais do mundo deveriam “adotar” filmes, buscando os fundos necessários para sua restauração e distribuição internacional. A fundação prevê a formação de uma rede formada pelas cinematecas de todo o mundo para apresentar os filmes restaurados antes de sua divulgação em DVD (Scorsese, Walter Salles e Wong Kar-Wai lançam fundação. Folha de S. Paulo, São Paulo, 22 mai. 2007, Ilustrada).

Foram exibidos em Cannes os três primeiros títulos cuja restauração foi apoiada pela associação: Transes (Marrocos, 1981), de Ahmed El Maanouni, restaurado pela Cineteca di Bologna, e apresentado por Martin Scorsese; Limite (Brasil, 1931), de Mário Peixoto restaurado pela Cinemateca Brasileira, VideoFilmes, Arquivos Mario Peixoto, com a participação da Arte France, e apresentado por Walter Salles; A floresta dos enforcados Padurea Spinzuratilor, Romênia, 1964), de Liviu Ciulei, restaurado pelo Arquivo Nacional do Filme da Romênia, e apresentado por Cristi Puiu.

O 60º Festival de Cannes celebra ainda quatro efemérides com filmes cujas cópias foram recentemente restauradas para relançamento em DVD: dois cinqüentenários de clássicos – o de Canal (Kanal, Polônia, 1957), de Andrzej Wajda, reapresentado pelo próprio diretor, honrado à época com o Prêmio Especial do Júri de Cannes; e o de Doze homens e uma sentença (Twelve Angry Men, EUA, 1957), de Sidney Lumet, com uma homenagem a Henry Fonda por Jane Fonda; e dois centenários de atores: o de John Wayne, com a exibição de Rio Bravo (idem, EUA, 1959), de Howard Hawks (cópia restaurada pela Warner Bros.); e Hondo (idem, EUA, 1953), rodado em 3D por John Farrow (cópia restaurada pela Batjac Productions); e o de Laurence Olivier, com uma mostra de suas adaptações de Shakespeare: Henrique V (Henry V, Inglaterra, 1944), Hamlet (idem, Inglaterra, 1948) e Ricardo III (Richard III, Inglaterra, 1955) – em cópias restauradas pela Granada International – precedida pelo curta Words for Battle (Inglaterra, 1941), de Humphrey Jennings, narrado pelo ator (cópia restaurada pelo British Film Institute).

Além destas mostras, será apresentado um verdadeiro pot-pourri de filmes em cópias restauradas: As aventuras do Príncipe Ahmed (Die Abenteuer des Prinzen Achmed, Alemanha, 1926), de Lotte Reiniger (restauração: Deustches Filmmuseum Frankfurt am Main); La Bandera (idem, França, 1935), de Julien Duvivier (restauração: CNC - Archives Françaises du Film e SND); Donne-moi tes yeux (França, 1943), de Sacha Guitry (restauração: Cinémathèque Française e Studio Canal); Yoyo (França, 1965), de Pierre Etaix (restauração: Fondation Groupama Gan pour le Cinéma); O vampiro da noite (Dracula, Inglaterra, 1958), de Terence Fisher (restauração: British Film Institute e Swashbuckler Films); Bound by Chastity / L’arche de chasteté (Coréia do Sul, 1962), de Shin Sang-Ok (restauração: Korean Film Archives); Por que Israel (Pourquoi Israel, França, 1973), de Claude Lanzmann (restauração: Why Not Productions); Mikey & Nicky (EUA, 1976), de Elaine May (nova cópia: Carlotta Films); Suspiria (idem, Itália, 1977), de Dario Argento (restauração: Luciano Tovoli e Wild Side Films); Assim, sob a égide da Federação Internacional dos Arquivos do Filme, a salvaguarda do patrimônio cinematográfico torna-se, cada vez mais, o objeto de atenções particulares em numerosos países do mundo. Já o Brasil, cujo Estado tradicionalmente despreza a educação e a cultura, mal desperta para o problema do desaparecimento lento, gradual e seguro de seu patrimônio cinematográfico.

Links:
- Festival de Cannes online.

Luiz Nazario

sábado, maio 19, 2007

A ficção científica torna-se realidade

Um novo programa da NASA, batizado Constellation, lançou um trailer em CGI de suas atividades. Trailer mesmo, com trilha sonora de suspense, frases de impacto publicitário e caprichada animação em CGI de uma planejada viagem de retorno (e ocupação) da Lua. Alguns bloggers norte-americanos perceberam a semelhança entre o trailer da NASA e produções de ficção científica como Battlestar Galactica, Firefly ou Transformers, com a curiosa inversão de que, neste caso, os invasores são os terráqueos. É sabido que narrativas de ficção científica de imenso sucesso, como X-Files (Arquivo X) nos anos 1990, são muitas vezes aproveitadas ideologicamente pela NASA para que alguns de seus programas de orçamentos estratosféricos sejam aprovados pelo mimetismo entre realidade e ficção científica. Mas esse spot publicitário aponta para a possibilidade de a própria NASA produzir seus filmes e propaganda diretamente.



- Trailer Moon Return (em Quicktime, com qualidade bem superior).
- Site do Constellation Program para construção de espaçonaves. Há toda uma sessão de vídeos interessantes nessa página.

Via Collision Detection.

Alcebiades Diniz

domingo, maio 13, 2007

Imagens radioativas


O Japão sempre foi um celeiro para imagens apocalípticas: basta ver qualquer um dos filmes de Inoshiro Honda, como Godzilla (Gojira, 1954) para observarmos de perto esse fenômeno, bastante compreensível tendo em vista o fato do Japão ter sido o primeiro – e até o momento, único – país a conhecer a destruição provocada por armas atômicas. As marcas traumáticas da aniquilação das cidades de Hiroshima e Nagasaki imprimiram profundas, indeléveis marcas no imaginário daquele país.

É dentro desse contexto que podemos colocar as imagens do fotógrafo japonês Hisaharu Motoda, especialmente na série de apocalípticas litografias batizada Neo-Ruins. Nas imagens de Motoda, as paisagens conhecidas de Tóquio dissolvem-se em camadas acinzentadas e ocres, perdendo toda a identidade que mantinham. Também não se trata de uma laudatória "arquitetura das ruínas", como aquela proposta pelo arquiteto nazista Albert Speer. As ruínas de Motoda são vazias e a sensação que temos ao contemplar essas massas informes – até os ceús são cinzentos e mortos – é de distanciamento, como se estivéssemos diante de fotogramas perdidos entre o registro real de uma guerra e o retrato virtual de um apocalipse encenado no cinema. O clima é pós-apocalíptico, pois as ruínas são peças fantasmas de catástrofes futuras, como premonições do destino das inchadas metrópoles ameaçadas pelo terrorismo global. A pesada granulação da técnica litográfica aplicada por Motoda garante esse estranho aspecto de passado que ainda não ocorreu, de futuro projetado na tela do passado.

- Uma pequena nota sobre os trabalhos de Motoda saiu no blog da revista Wired.
- Uma nota com várias imagens impressionantes apareceu no blog Pink Tentacle.
- O site oficial de Hisaharu Motoda.

Via BLDGBLOG.

Alcebiades Diniz Miguel

segunda-feira, maio 07, 2007

Expansão da narrativa

Novas tecnologias como iPod, bem como a expansão muito pronunciada do mercado dos quadrinhos – que chegaram não apenas às grandes livrarias, deixando seu gueto situado nas bancas de jornal, mas também ao campo dos prêmios literários importantes – alargaram as dimensões da narrativa. Fenômeno já identificado por pesquisadores como nosso colaborador Luiz Nazario, esse inchaço das dimensões do campo narrativo e sua expansão ao universo real como diversão interativa, colaborativa, pode resultar numa espécie de achatamento do rico universo imaginário disparado por todas as narrativas, transformado em jogo de regras mais ou menos fixas e resultados estéticos decepcionantes (nada que o cinema, por exemplo, não possa produzir melhor).

Assim, surge o mix de HQ, animação, fotonovela, série de TV e jogo interativo The Many Worlds of Jonas Moore, que contará a história de uma espécie de super-soldado rebelde em um mundo normalizado por jogos eletrônicos virtuais e controlado por poderosas corporações globais. A sinopse, embora decepcionante e derivativa, não deixa de ser profética a respeito da propria natureza do empreendimento.

Links:

- Site de The Many Worlds of Jonas Moore e uma informativa resenha.

Alcebiades Diniz

quarta-feira, maio 02, 2007

Possibilidades orgânicas da modelagem 3D





Um problema comum em muitas animações que utilizam modelagem 3D – tanto as pioneiras quanto algumas das mais recentes – é a tentativa de mimetizar o universo físico sem muita estilização, como se os objetos criados no universo virtual dos softwares ganhasse automaticamente consistência por semelhança imediata, semelhança esta que enganaria os olhos do espectador. Assim, a modelagem esteve em boa parte dos casos atrelada ao aspecto de simulação – que, é bem verdade, está na origem dessa forma específica de visualidade. Contudo, seguindo o caminho da estilização que aproveitasse o mundo específico da realidade concreta simulada em 3D, alguns animadores estão indo bem longe no aproveitamento de uma faceta mais orgânica desse tipo animação. Os exemplos abaixo não primam pelo acabamento complexo no campo das texturas, mas nas complexas mudanças e transformações possibilitadas pelo manejo de um material muito mais flexível que qualquer outro até hoje empregado no universo da animação.

O primeiro vídeo foi criado pelo coletivo de criadores francês The Holograms, que criaram todo um universo mutante a partir do simples template de um caminhão. O segundo, um anúncio animado para a vodka Smirnoff – criação de Edouard Salier e da agência JWT New York –, explora as possibilidades de mudança em objetos mais complexos, que se transformam em outros e se multiplicam ao sabor da trama.

Links:

- Coletivo The Holograms.
- Edouard Salier.

Via Llámame Lola.