sexta-feira, maio 28, 2010

Sua Majestade Lula - Parte III

Na ilustração acima, o falecido cartunista Glauco demonstra o funcionamento de Dilma Rousseff.

Sua Majestade Lula disse estar certo da vitória fácil de Dilma Rousseff (PT) e, portanto, da necessária continuação de seu reinado (devem ser grandes os temores de abertura da caixa preta da Presidência). De fato, pesquisas do Ibope sobre pré-intenções de voto apontaram um crescimento espantoso da pré-candidatura da então pré-candidata à Presidência – de 17% em novembro de 2009 para 30% em fevereiro de 2010, enquanto o pré-candidato José Serra caía de 38% para 35% no mesmo período pré-eleitoral. Em seguida, uma Pesquisa Datafolha confirmou o fenômeno: “Dilma cresce em intenção de voto e já encosta em Serra” (Datafolha, 27/02/2010). A Ministra da Casa Civil teria pulado de 23% a 28% nas pesquisas de intenção de voto de dezembro a janeiro enquanto a taxa de intenção de voto do Governador de São Paulo teria caído de 37% para 32%. A pré-candidatura à Presidência da pré-candidata Dilma parece um monstro que cresce na sombra. Como explicar esse fenômeno em período pré-eleitoral?

O passado da pré-candidata ainda é nebuloso: alguns se referem a ela como uma idealista estudante de família rica, inocentemente engajada nos movimentos estudantis, presa e torturada pela cruel ditadura, outros como uma terrorista de esquerda bem treinada, assaltante de banco e envolvida em assassinatos políticos pela inocente ditadura. Até 2009 o Currículo Lattes de Dilma Rousseff no CNPq e no site da Casa Civil ostentava a titulação de Doutora em Economia. Logo se descobriu que ela não tinha tese nem Doutorado. Dilma justificou-se: “Não concluí a tese pelo mesmo motivo que não concluí o Doutorado: eu virei Secretária da Fazenda. Eu não estava gazeteando... nada, eu estava trabalhando”. Dilma abandonou a Pós três anos antes de assumir a Secretaria.

Quando Ministra de Minas e Energia, Dilma foi apresentada no Programa Roda Viva (13/12/2004) como “economista com doutorado em teoria econômica”. E quando Ministra Chefe da Casa Civil, retornou ao Roda Viva (25/05/2006), sendo então apresentada como tendo exercido “a carreira de economista depois de fazer doutorado em economia monetária e financeira”. Nenhum desmentido seguiu-se aos equivocados anúncios públicos de seu “Doutorado”. Apenas depois da denúncia Dilma culpou um assessor por ter preenchido errado seu CV. A senha de acesso à plataforma Lattes é pessoal e intransferível; a inserção de informações falsas é passível de processo.

O jornalista Augusto Nunes percebeu que Dilma não se expressa com clareza. Apenas num único dia, 21 de março de 2010, ela proferiu umas três ou quatro frases que o deixaram espantado. Parece que uma das receitas do PT para se eternizar no poder é a criação de uma “novilíngua” à maneira dos regimes de caráter totalitário (“Programa Bolsa Família”, “Programa Fome Zero”, “Programa Minha Casa Minha Vida”, “Programa Luz para Todos”, “Programa Universidade para Todos”, “Programa Brasil Sorridente”, “Programa de Volta Para Casa”, “Instâncias de Controle Social”, “Ministério da Igualdade Racial”, “Política Nacional de Humanização”, “Portal da Transparência”, “Desenvolvimento Sustentável”, “Conselho da Verdade” – este diretamente inspirado no Ministério da Verdade, de 1984, de George Orwell). O objetivo é chapar a população, reduzindo o pensamento a slogans. A cada ano os brasileiros ficam mais estúpidos e satisfeitos. Interessa ao PT um Brasil chapado e dócil, facilmente enganado pela propaganda. Eis alguns ditos de Dilma comentados por Nunes:

- Sentirei uma certa saudade, porque tem coisa que vai ser inaugurado que passei barro por ela. É aquele negócio de ter orgulho do trabalho que faz ele virar parte de você. (Aparentemente querendo dizer que vai sentir falta da inauguração de pedras fundamentais, quadras antigas e creches ainda na planta.)

- É muito difícil quando você faz a discussão política não comparar realidades, porque não é só projeto que deve ser comparado, é a nossa capacidade de fazer o futuro e a capacidade do outro candidato (…), ou qualquer outra pessoa, e não vou falar no caso específico dele, a capacidade deles, da pessoa em questão, de dizer o seguinte: eu tenho condições de fazer porque eu fiz. Nós não vamos abrir mão de dizer: nós temos condições de fazer porque nós fizemos. (Aparentemente querendo dizer que, embora não diga coisa com coisa, vai fazer porque fez.)

A razão do crescimento espantoso da pré-candidatura da pré-candidata sem carisma pessoal (experimentado apenas brevemente após uma estratégica cirurgia plástica de rosto, estragada pela descoberta de um tumor, cujo tratamento comprometeu seu súbito embelezamento para fins eleitorais); sem experiência de campanha (fora os atuais comícios pré-eleitorais nas inaugurações das obras do PAC); sem um transparente currículo político (além de sua alardeada tortura); sem um passado de destaque na administração pública (excetuando cargos de confiança em governos petistas do Sul e no reinado de Sua Majestade); sem experiência de pós-graduação (apenas iniciada, com conclusão fraudada no Lattes); sem capacidade de exprimir-se corretamente (talvez de propósito, como no sotaque interiorano forçado de José Dirceu), a razão da súbita popularidade de Dilma transcende, enfim, sua figura. Ela deve ser encontrada no uso igualmente espantoso da máquina.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) considerou que Dilma e Sua Majestade violaram a Lei Eleitoral durante a inauguração de obras do PAC no Rio de Janeiro. Sua Majestade interagiu com o público que gritava o nome de Dilma Rousseff dizendo: “Eu espero que a profecia que diz que a voz do povo é a voz de Deus esteja correta neste momento”. Foi punido com uma multa de R$ 5 mil. “Vamos recorrer”, declarou Dilma. Já Sua Majestade cobrou dos militantes, em outro comício, durante a inauguração de 106 apartamentos populares inacabados num bairro pobre em Osasco, o pagamento de eventual nova multa: “Se eu for multado, vou trazer a conta para vocês. Quem é que vai pagar a minha multa? Levanta a mão aí, que eu vou cobrar”, disse a uns mil adesistas que gritavam o nome da pré-candidata.

Sua Majestade, que criticara o governador José Serra por ter apresentado uma maquete de obra que pretendia licitar e construir (uma ponte ligando Santos a Guarujá) declarando: “Tem gente aí inaugurando até maquete”, não se acanhou com a falta de azulejos nos apartamentos que inaugurava, dizendo que isso era bom para as famílias beneficiadas, que podiam não gostar do revestimento original: “Tem gente que vê o azulejinho de uma cor e na semana seguinte está tirando e colocando outro. Então é melhor entregar semiacabado, para as pessoas poderem fazer o que elas gostam.” Dilma se entregou à liberdade poética dizendo aos moradores dos apartamentos de dois quartos com 50m² de área teriam varandas para namorar e olhar a lua: “Estou vendo a varandinha ali. Cada um de nós tem que ter direito a isso”, elogiou a Mãe do PAC, apontando um dos prédios, não percebendo que as unidades tinham apenas duas janelas, e nenhuma varanda, confundindo-se ao ver pessoas debruçadas sobre a grade de uma área de circulação, fora dos apartamentos.

Sua Majestade emendou de modo ainda mais poético: “Em vez de a mulher ficar batendo no marido com o chinelo ou com a concha de feijão, é melhor trancá-lo do lado de fora. Ele fica na varandinha, refrescando a cabeça”. E concluiu o comício prometendo intensificar o ritmo de suas viagens de campanha usando a máquina administrativa e o dinheiro público até a eleição de sua sucessora no reino: “Quem vai ser candidato tem que se afastar, mas nós vamos ter que trabalhar muito mais. Este ano vou viajar o Brasil inteiro, para inaugurar todas as coisas que estamos aprontando.” No mesmo dia, Sua Majestade recebia nova multa do TSE, desta vez de R$ 10 mil por uma propaganda antecipada em janeiro, na inauguração do Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados de São Paulo, quando disse que Dilma estava “palanqueira”.

Enquanto Sua Majestade recorria dessa multa, a diretoria do Sindicato apressava-se em fazer uma vaquinha junto aos seus associados para pagar os R$10 mil. Sua Majestade “profetizara” a vitória de Dilma: “A cara do Brasil vai mudar muito e quem vier depois de mim, e eu por razões legais não posso dizer quem é, e espero que vocês adivinhem, vai encontrar um programa pronto com dinheiro no Orçamento, porque estou fazendo o PAC 2”. Se o recurso de Sua Majestade for acatado e ele se livrar da multa, o Sindicato já fez à custa de idiotas uma caixinha, obrigado!

Sua Majestade não se amola com as multas. Ao participar na Conferência Nacional da Educação, em Brasília, declarou: “Daqui a pouco vou ter que trabalhar o resto da vida para pagar multa”, antecipando que não vai respeitar as leis nem parar de trabalhar para sua candidata. Foi defendido pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, que afirmou que Sua Majestade “não vai deixar de exercer aquilo que a lei garante que ele pode fazer, como inaugurar e participar de campanha, senão, ele vai ser menos que qualquer cidadão. Não sei se é isso que a oposição quer, que ele seja menos [...] O governo faz o papel dele”.

Sua Majestade também condenou o uso da máquina pública nas campanhas, que ele atribui apenas aos adversários: “É preciso que a gente seja definitivamente republicano neste país, que a gente passe para a sociedade a ideia de que é possível você ajudar um candidato, você participar de um processo eleitoral, sem utilizar a máquina como sempre se usou neste país para beneficiar um ou outro candidato [...] fui multado porque eu falei que nós íamos ganhar as eleições, e a câmera de TV mostrou a cara da Dilma, que estava no palanque”, disse Sua Majestade em seu programa de rádio, eximindo-se de... de... De que mesmo?

Sua Majestade voltou à campanha num ato político de apoio do PCdoB à pré-candidatura da já ex-ministra Dilma Rousseff, declarando que nunca antes no país houve campanha eleitoral “tão fácil” à Presidência da República como a deste ano. Apesar de reconhecer a força dos adversários, Sua Majestade afirmou, de modo paradoxal e contraditório, que o PT ganhará fácil: “Eu, sinceramente, acho que nós não vamos ter uma campanha fácil. Mas se depender dos times que estão em campo, nunca tivemos uma tão fácil. Não porque os adversários sejam fracos [...]. Somos mais fortes. Estamos mais preparados, temos história. [...] Hoje não tem ninguém mais preparado do ponto de vista técnico para governar este país do que esta senhora, futura presidenta desse país.”

Sua Majestade declarou que fará “campanha na rua” por Dilma, desafiando o Judiciário: “Não podemos permitir que nosso destino fique correndo de tribunal para tribunal”. O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Mozart Valadares Pires, repudiou as declarações de Sua Majestade salientando que ninguém “tem o direito de infringir a lei eleitoral e fazer campanha antecipada [...]. Todos estão subordinados à legislação brasileira. Não prestamos contas a um juiz, mas à legislação”. Valadares advertiu que Sua Majestade “não pode utilizar a máquina pública para pedir votos nem favorecer sua candidata.” Para Luís Fernando Vidal, presidente da Associação Juízes para a Democracia, Sua Majestade “deveria dar o primeiro exemplo de respeito às regras do jogo” e que sua declaração “passa a impressão de que algumas pessoas não estão sujeitas à lei e aí é o jogo do vale tudo.”

Já o novo Ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, defendeu a campanha eleitoral de Sua Majestade com argumentos tortuosos: “A legislação tem que conter regras claras para que sejam cumpridas. Se a legislação não tem regras claras, se a norma não está bem clara para qualquer tipo de pessoa, fica muito ao poder subjetivo de cada decisão judicial, pode ser diferente em cada ponto do Brasil essa análise de conduta [...] Quando se está tratando de uma conduta o ideal é que a norma regularize as condutas de maneira clara e objetiva a fim de que ela possa ser seguida por todos. Se isso não acontece, cria um campo de subjetividade que vai ser sempre objeto de uma interpretação que muitas vezes pode ser antagônica a outra. Não acho que a lei eleitoral é subjetiva, mas acho que as regras de conduta durante uma campanha eleitoral devem ser cada vez mais objeto de uma sistematização, de esclarecimento e de preenchimento dessas lacunas que porventura existam para impedir justamente que o Poder Judiciário tenha que ser chamado a cada ato para dizer o que é ou não permitido no processo eleitoral. Devemos evitar a judicialização da questão eleitoral. Acho que o melhor é que esse processo seja mais conduzido no campo político do que necessariamente no campo judicial.”

A declaração ardilosa e um pouco enigmática parece condenar o Judiciário, que sempre julga de acordo com sua ética, com base em provas objetivas. O Ministro sugere substituir essas decisões subjetivas do Judiciário por um mal definido “jogo político”, no qual obviamente a vitória é sempre dos mais fortes, dos poderosos, de Sua Majestade. Toda legislação possui brechas, que são devidamente usadas pelos criminosos, como entre os delinqüentes que a Justiça não consegue enquadrar, nos romances de Patricia Highsmith. Para punir os criminosos de massa do nazismo, o Tribunal de Nuremberg teve de criar a posteriori uma lei que qualificasse o crime contra a humanidade, embora o “não matarás” fosse um velho preceito moral subjetivo e válido, mas legalmente impotente contra assassinos de massa sem consciência moral “cumprindo ordens” emanadas do poder constituído.

Normalizar condutas é um sonho totalitário. O homem ético caracteriza-se pelo respeito à lei, mesmo consciente das brechas, que tornam possível sua burla. Já o militante totalitário do PT não consegue evitar o uso das brechas de uma legislação democrática que ele considera democrático-burguesa. Ele se acredita ético justamente ao burlar, em suposto benefício do povo, a legislação da democracia burguesa, que ele diz respeitar apenas para continuar a desrespeitá-la sem punição. Assim, Sua Majestade declarou à imprensa em alto e bom som que fará campanha até o fim de seu mandato, nas suas “horas vagas” e como “cidadão comum”, terminado seu expediente diário na Presidência. Depois de despachar em seu gabinete palaciano, sabe-se lá de que horas até que horas, Sua Majestade irá para as ruas gritar, sem as dignidades do cargo, o nome de sua candidata. Bem, isso não está muito claro. Há uma brecha de conduta aqui. Sua Majestade irá às ruas a pé ou em carro oficial? Viajará de ônibus ou de Aerolula? Gastará dinheiro de seu bolso (apesar da relutância em pagar multas) ou usará seu cartão corporativo (acima de qualquer suspeita ou investigação)? São perguntas que os jornalistas ainda não fizeram a Sua Majestade.

Sua Majestade transformou as cerimônias de inauguração das obras do PAC em comícios financiados pelo erário, mas recebeu apenas duas multas leves por isso, que ele se recusa a pagar (com recursos judiciais e vaquinhas de sindicatos). É verdade que Serra compareceu a mais cerimônias de inauguração: 27, contra 22 de Dilma. Contudo, o governador paulista inaugurou obras de sua administração. Já Dilma inaugurou, com cobertura nacional, em diferentes Estados, obras de uma administração que a inclui, mas que não é a sua. Por isso Sua Majestade a nomeou previa e espertamente a “Mãe do PAC”. Numa dessas ocasiões, em Belo Horizonte, a Mãe do PAC deixou escapar, em ato falho, a verdade sobre o caráter de suas cerimônias de inauguração: “Eu queria desejar e dirigir um especial cumprimento às mulheres aqui da frente que hoje animam sem dúvida esse comício”.

Se muito antes da campanha eleitoral o uso da máquina chegou a esse ponto, prevê-se no reino uma eleição tão limpa quanto a do Irã, que Sua Majestade fez questão de legitimar qualificando o levante dos dissidentes que pagaram com prisão e morte sua denúncia de fraude a uma briga de torcida após a derrota de um time (o futebol é uma importante baliza para a interpretação do mundo no universo mental de Sua Majestade), tal como a greve de fome dos cubanos dissidentes em prisão política na Ilha dos Castro, e que levou um deles à morte, foi qualificada de chantagem inadmissível feita por criminosos comuns. Só que no reino de Sua Majestade a fraude será mais sofisticada. O Brasil tornou-se, ousadamente, o único país do mundo a digitalizar inteiramente suas eleições. Com as urnas eletrônicas em vigência do Oiapoque ao Chuí, a votação escapa totalmente e para sempre do controle dos antigos fiscais dos partidos em disputa, que não têm mais acesso às cédulas de papel para sua contagem ou recontagem. Será por isso que um país tão atrasado e pouco democrático como os EUA reluta tanto em adotar as urnas eletrônicas? Não é difícil prever que as próximas eleições legitimarão o reinado petista, eternizando seu regime segundo o admirado modelo sucessório cubano, onde Príncipe Raul sucede o Mano Velho adoentado depois de trinta anos de reinado. De fato, Sua Majestade Lula está cada vez mais parecida com Sua Majestade Fidel Castro..

Luiz Nazario