quarta-feira, setembro 29, 2010

Fotografia Apocalíptica

Terminal Mirage 22, de David Maisel.

The Lake Project 22, de David Maisel.

A simulação de paisagens do fim do mundo alcançou, no cinema dos últimos dez anos, dimensão realmente assustadora. A fantasia mais selvagem aparece como reflexo de questões históricas concretas como em War of the Worlds (Guerra dos mundos, 2005), de Steven Spielberg. Mas essa cenografia construída de forma complexa e barroca é menos sugestiva e assustadora que a realidade captada nas fotografias de Christoph Morlinghaus e David Maisel. Apesar de partirem de formatos e concepções diferentes, os dois fotógrafos focalizam em seus aparatos algo que se assemelha a uma cenografia de desolação que transforma as familiares paisagens/objetos de nosso planeta em algo de ameaçadoramente alienígena. Maisel, que utiliza intensamente a fotografia aérea para compor amplos panoramas de imagens que lembram as telas abstratas e áridas, mas coloridas, de Jackson Pollack, tem por preferência regiões radicalmente alteradas pela intervenção humana, como a série The Lake Project (imagens incríveis, que lembram paisagens marcianas, do lago Owens, na Califórnia, transformado pela especulação imobiliária na região mais poluída dos EUA). Outro projeto impressionante é Terminal Mirage, que mostra a perspectiva aérea, enigmática em seus verdes, ocres e alaranjados do Great Salt Lake, no noroeste do Utah. 


Fotografias de Christopher Morlinghaus, parte de seu Portfolio 01

Já Christoph Morlinghaus tem por tema não as paisagens ecologicamente devastadas através de uma perspectiva aérea,  quase divina, mas os locais e objetos cotidianos que, esvaziados da incessante presença humana, ganham configuração inquietante, como cenários de um apocalíptico extermínio. São corredores de prosaicos escritórios, conjuntos habitacionais modernos corroídos, amplos saguões, igrejas e parques de diversão vazios. A arquitetura moderna predominante adquire uma expressão titânica, simbolizada pela altura vertiginosa das paredes, expressão essa que parece mais funcional conforme a presença humana esteja aparentemente extinta. Sem seus usuários tradicionais, os edifícios e objetos focalizados por Morlinghaus ganham um tom ameaçador e alienígena, como se de um aparato de outra civilização se tratasse.

Supercomputador usado em simulações de armas atômicas por Simon Norfolk.

Outro fotógrafo especializado em retratar paisagens desoladas e a destruição em seu estado mais puro é Simon Norfolk, que busca em seu trabalho a representação de um "sublime militarizado", na definição de Geoff Manaugh, do BLDGBLOG. As fotos captadas por Norfolk retratam dois universos: os campos de batalha do Afeganistão e os sistemas de super-computadores que simulam explosões nucleares e demais formas de destruição total para criar cenários futuros para os planejadores montarem suas estratégias. A destruição em massa, banalizada, complementa-se e oscila do cenário real ao jogo de guerra.

Alcebiades Diniz Miguel 

sábado, agosto 21, 2010

Surrealismo e Crime

Minotaure, de Man Ray, suposta inspiração do assassino no caso Dália Negra.

Entre 2006 e 2008, o canal de televisão Discovery colocou no ar uma série de documentários que abordavam a perversidade criminosa a partir de uma escala da maldade, de título Most Evil. Dr. Michael Stone, o psiquiatra forense que estabelecera a escala, apresentava o programa, que a cada episódio abordava uma série de assassinos seriais, seus métodos, psicologia e as formas de investigação de cada caso. A escala, muito utilizada por profilers do FBI nos EUA, é caligaresca no mais alto grau: parte da "normalidade"  (quem mata por legítima defesa, por exemplo) até atingir o limite criminoso extremo, que envolveria tortura lenta e assassinato, com bizantinas gradações entre torturadores que optam por infligir suplícios leves, mas que acabam matando a vítima involuntariamente no processo até os que torturam para assassinar depois. Terroristas entram na lista, assim como líderes carismáticos que apreciavam assassinatos em massa, como Jim Jones, mas não soldados que obedeciam ordens (como as guarnições SS alemãs) e extraíam prazer no assassinato e na tortura após alguma ideologia legitimar o desvio da norma. A teoria do Dr. Stone costura a trama de cada episódio do programa, cuja estrutura documental é convencional, soi disant "informativa", mas com frequentes manipulações e distorções, além de forte tendência ao sensacional fait divers.

O quarto episódio da segunda temporada (bem como o décimo da terceira), que foi ao ar nos EUA em 2 de setembro de 2007, tratou, entre outras coisas, do famoso "mistério da Dália Negra", terrível crime jamais resolvido que inspirou ficções especulativas diversas, como o filme The Black Dahlia (A Dália Negra, 2006) de Brian de Palma. Os fatos são bem conhecidos: a 15 de janeiro de 1947, a força policial de Los Angeles encontrou o corpo de Elizabeth Short em um terreno baldio. O corpo estava bem próximo da calçada, era visível da rua, e trazia terríveis mutilações: o rosto desfigurado por um talho de orelha a orelha que deformava a boca em uma espécie de sorriso; o corpo seccionado ao meio, uma parte afastada da outra uns 15 centímetros. A investigação do crime nunca chegou a termo e o assassino nunca foi capturado. Como o episódio tratava exclusivamente de crimes nunca resolvidos, o caso oferecia ao programa uma oportunidade sensacional, ocupando, portanto, o segmento central (e mais extenso) do episódio, centrado em torno das investigações e teorias de um policial de Los Angeles aposentado, Steve Hodel.

Steve Hodel divulgara sua tese em um livro lançado em 2003 (relançado em 2006 em edição ampliada e com mudança no título, que era Black Dahlia Avenger: A Genius for Murder), no livro de título sensacionalista Black Dahlia Avenger: The True Story, grande sucesso de vendas. Pela tese de Hodel, o culpado pelos crimes seria seu próprio pai, Dr. George Hodel, médico especializado em doenças venéreas de fama à época do crime em Hollywood. A tese de Steve Hodel associa fatos da vida do pai ("gênio" de elevado QI na infância e adolescência, jornalista policial improvisado fascinado pela violência do Bas Fond californiano, médico competente com muita experiência em cirurgia) com reduções apriorísticas (o preconceito que associa inteligência a isolamento e potencialmente crime, o moralismo que julga pulsões sexuais diversas como automaticamente criminosas). Mas o centro da especulação do ex-policial se centra em outro ponto: a proximidade do Dr. George Hodel com artistas e intelectuais de Hollywood, especialmente o pintor surrealista Man Ray. Para Steve Hodel, o surrealismo teria influenciado a forma e o conteúdo do crime. Assim, a disposição do corpo (encontrado com os braços para cima) reproduziria a fotografia Minotaure (ca. 1935) de Man Ray. Por outro lado, a ideologia surrealista, na visão de Steve Hodel, teria levado seu pai, mentalmente perturbado, aos umbrais do crime violento, uma vez que o policial aposentado interpretaria o surrealismo como uma visão imoral e anti-humana que atacava vigorosamente os salutares limites da normalidade, estetizando o crime, e o assumindo como obra de arte. No livro de Steve Hodel, Man Ray é pintado como uma caricatura de supervilão, misógino e vingativo, espécie de master mind e homicida por procuração que alegremente inspirava mentes perturbadas a executar aquilo que, covarde, apenas vislumbrava em suas construções artísticas.

No episódio do Discovery, a tese de Steve Hodel é vista como a mais adequada (por essa tese, Dr. George Hodel também seria culpado pelo assassinato de Suzanne Degnan, crime nunca resolvido atribuído ao assim chamado “assassino do batom”), embora inconsistências diversas minem tal especulação. Em primeiro lugar, Steve Hodel afirma que ele teria estabelecido a relação entre seu pai e os crimes, omitindo o fato de que o Dr. George Hodel foi suspeito e investigado rigorosamente no final dos anos 1940, uma vez que sua filha com 14 anos à época, Tamar Hodel, o havia denunciado por ele a molestar sexualmente. O irmão não estava a par disso? Para o Discovery, o ex-policial afirma que as informações sobre seu pai relacionados ao caso “haviam desaparecido”, sugerindo uma conspiração do silêncio a impedir encontrar o criminoso, percepção de mundo paranóide que os produtores da série, nesse momento, não puderam escamotear. Por outro lado, o retrato grosseiro de Man Ray (que inclui equívocos primários, como o desconhecimento do fato de que Man Ray viveu nos EUA de 1940 a 1951 e de que esse pintor não levara suas obras na mala para mostrar em festas de Hollywood, pois Minotaure só seria largamente conhecida e disponível em catálogos nos anos 1950-60), implicado indiretamente no crime, e a falta de fatos concretos e não interpretações e extrapolações, torna a tese risível.

As afirmações de Steve Hodel, contudo, possui algo de fascinante por ter surgido por livre associação da leitura de fotografias. Hodel afirma ter iniciado suas investigações ao encontrar, após a morte do pai, uma foto de uma “mulher nua” entre os pertences íntimos do falecido. O ex-policial não teve dúvidas que se tratava da “Dália Negra” Elizabeth Short, embora mesmo os familiares da vítima considerem tal reconhecimento forçado. Depois, Hodel encontraria a foto de Man Ray, compararia com as fotos do corpo de Elizabeth Short para estabelecer sua “prova” definitiva. Questões edipianas não resolvidas parecem conduzir o policial aposentado, que tenta matar o pai pela destruição da cultura que aquele amava e que distingue pai e filho. Para o moralista perverso, a visão da foto de uma “mulher nua” só pode enunciar crimes horrendos pela liberação de um desejo que alimenta e reprime abertamente. O torso feminino nu da foto de Man Ray apenas aproxima o artista do pai médico, portanto a cultura que ambos representam precisa ser julgada e condenada nas mesmas bases do assassinato propriamente dito. A moral estrita é a arma para esses julgamentos, bem como a psiquiatria que reduz a faixa temível dos desejos a tabelas controláveis por eletrochoques e medicação. O mais espantoso é que a leitura de Hodel de Minotaure comete o equívoco simplório de não resolver o sorriso forçado no rosto da vítima, uma vez que o jogo de sombras apenas oblitera a cabeça, o que sugeriria ao psicótico “inspirado pela obra” a simples decapitação. Aparentemente, os desejos reprimidos de Steve Hodel explodem em suas interpretações e associações, mais que “evidências”, de um antigo assassinato não elucidado.

Teorias como as de Steve Hodel equacionam arte e crime em um mesmo plano, como se a filosofia liberadora do surrealismo – contraditória e problemática, sem dúvida – devesse sofrer condenação judicial e não discussão no campo das ideias, pois “alimentariam” crimes. A melhor refutação a tão maldosa teorização aparece, como sugeriu Luiz Nazario, no monólogo final de James Stewart no filme Rope (Festim diabólico, 1948), de Alfred Hitchcock, que reflete sobre a leitura nazista da filosofia nietzschiana: “Eu posso ter dito algo assim [sobre a superioridade da elite intelectual em relação às massas]”, diz o professor chocado, “mas nunca pensei que minhas idéias pudessem levar a um assassinato... Fui irresponsável, mas dentro de mim nunca houve o desejo de matar... Você distorceu minha filosofia para justificar algo de ruim que já existia dentro de você..."

- O episódio sobre crimes não resolvidos da série Most Evil (em português, Índice da Maldade) pode ser visto (segmentado em quatro partes) no Youtube.

Alcebiades Diniz Miguel

quinta-feira, agosto 05, 2010

Novo filme de Kenneth Anger



O octagenário Kenneth Anger, criador de experiências únicas do cinema underground e autor de Hollywood Babylon, o best-seller de rumores e fofocas do star system, lançou recentemente seu mais recente filme, um curta de dois minutos intitulado Missoni. Trata-se de um filme encomendado pela casa de estilistas Missoni para sua coleção outono/inverno. No curta, Anger captura membros da família Missoni, trajados com suas criações, em camadas múltiplas de cor e textura, que incluem imagens da Lua e do Sol. As imagens lisérgicas de Anger possuem uma curiosa natureza analógica, antiga; como escreveu Mariuccia Casadio, apesar do uso de alta tecnologia, incluindo câmeras digitais RED, o resultado parece feito usando o sistema 35mm clássico, ainda mais levando-se em conta a opção de Anger pelo retrato como núcleo para camadas e mais camadas de imagens sobrepostas. A influência inicial, declarada e perceptível, é o filme A cor da romã, de Serge Paradjanov.

Links:
- O vídeo pode ser visto em alta resolução aqui.

Alcebiades Diniz Miguel 

sexta-feira, maio 28, 2010

Sua Majestade Lula - Parte III

Na ilustração acima, o falecido cartunista Glauco demonstra o funcionamento de Dilma Rousseff.

Sua Majestade Lula disse estar certo da vitória fácil de Dilma Rousseff (PT) e, portanto, da necessária continuação de seu reinado (devem ser grandes os temores de abertura da caixa preta da Presidência). De fato, pesquisas do Ibope sobre pré-intenções de voto apontaram um crescimento espantoso da pré-candidatura da então pré-candidata à Presidência – de 17% em novembro de 2009 para 30% em fevereiro de 2010, enquanto o pré-candidato José Serra caía de 38% para 35% no mesmo período pré-eleitoral. Em seguida, uma Pesquisa Datafolha confirmou o fenômeno: “Dilma cresce em intenção de voto e já encosta em Serra” (Datafolha, 27/02/2010). A Ministra da Casa Civil teria pulado de 23% a 28% nas pesquisas de intenção de voto de dezembro a janeiro enquanto a taxa de intenção de voto do Governador de São Paulo teria caído de 37% para 32%. A pré-candidatura à Presidência da pré-candidata Dilma parece um monstro que cresce na sombra. Como explicar esse fenômeno em período pré-eleitoral?

O passado da pré-candidata ainda é nebuloso: alguns se referem a ela como uma idealista estudante de família rica, inocentemente engajada nos movimentos estudantis, presa e torturada pela cruel ditadura, outros como uma terrorista de esquerda bem treinada, assaltante de banco e envolvida em assassinatos políticos pela inocente ditadura. Até 2009 o Currículo Lattes de Dilma Rousseff no CNPq e no site da Casa Civil ostentava a titulação de Doutora em Economia. Logo se descobriu que ela não tinha tese nem Doutorado. Dilma justificou-se: “Não concluí a tese pelo mesmo motivo que não concluí o Doutorado: eu virei Secretária da Fazenda. Eu não estava gazeteando... nada, eu estava trabalhando”. Dilma abandonou a Pós três anos antes de assumir a Secretaria.

Quando Ministra de Minas e Energia, Dilma foi apresentada no Programa Roda Viva (13/12/2004) como “economista com doutorado em teoria econômica”. E quando Ministra Chefe da Casa Civil, retornou ao Roda Viva (25/05/2006), sendo então apresentada como tendo exercido “a carreira de economista depois de fazer doutorado em economia monetária e financeira”. Nenhum desmentido seguiu-se aos equivocados anúncios públicos de seu “Doutorado”. Apenas depois da denúncia Dilma culpou um assessor por ter preenchido errado seu CV. A senha de acesso à plataforma Lattes é pessoal e intransferível; a inserção de informações falsas é passível de processo.

O jornalista Augusto Nunes percebeu que Dilma não se expressa com clareza. Apenas num único dia, 21 de março de 2010, ela proferiu umas três ou quatro frases que o deixaram espantado. Parece que uma das receitas do PT para se eternizar no poder é a criação de uma “novilíngua” à maneira dos regimes de caráter totalitário (“Programa Bolsa Família”, “Programa Fome Zero”, “Programa Minha Casa Minha Vida”, “Programa Luz para Todos”, “Programa Universidade para Todos”, “Programa Brasil Sorridente”, “Programa de Volta Para Casa”, “Instâncias de Controle Social”, “Ministério da Igualdade Racial”, “Política Nacional de Humanização”, “Portal da Transparência”, “Desenvolvimento Sustentável”, “Conselho da Verdade” – este diretamente inspirado no Ministério da Verdade, de 1984, de George Orwell). O objetivo é chapar a população, reduzindo o pensamento a slogans. A cada ano os brasileiros ficam mais estúpidos e satisfeitos. Interessa ao PT um Brasil chapado e dócil, facilmente enganado pela propaganda. Eis alguns ditos de Dilma comentados por Nunes:

- Sentirei uma certa saudade, porque tem coisa que vai ser inaugurado que passei barro por ela. É aquele negócio de ter orgulho do trabalho que faz ele virar parte de você. (Aparentemente querendo dizer que vai sentir falta da inauguração de pedras fundamentais, quadras antigas e creches ainda na planta.)

- É muito difícil quando você faz a discussão política não comparar realidades, porque não é só projeto que deve ser comparado, é a nossa capacidade de fazer o futuro e a capacidade do outro candidato (…), ou qualquer outra pessoa, e não vou falar no caso específico dele, a capacidade deles, da pessoa em questão, de dizer o seguinte: eu tenho condições de fazer porque eu fiz. Nós não vamos abrir mão de dizer: nós temos condições de fazer porque nós fizemos. (Aparentemente querendo dizer que, embora não diga coisa com coisa, vai fazer porque fez.)

A razão do crescimento espantoso da pré-candidatura da pré-candidata sem carisma pessoal (experimentado apenas brevemente após uma estratégica cirurgia plástica de rosto, estragada pela descoberta de um tumor, cujo tratamento comprometeu seu súbito embelezamento para fins eleitorais); sem experiência de campanha (fora os atuais comícios pré-eleitorais nas inaugurações das obras do PAC); sem um transparente currículo político (além de sua alardeada tortura); sem um passado de destaque na administração pública (excetuando cargos de confiança em governos petistas do Sul e no reinado de Sua Majestade); sem experiência de pós-graduação (apenas iniciada, com conclusão fraudada no Lattes); sem capacidade de exprimir-se corretamente (talvez de propósito, como no sotaque interiorano forçado de José Dirceu), a razão da súbita popularidade de Dilma transcende, enfim, sua figura. Ela deve ser encontrada no uso igualmente espantoso da máquina.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) considerou que Dilma e Sua Majestade violaram a Lei Eleitoral durante a inauguração de obras do PAC no Rio de Janeiro. Sua Majestade interagiu com o público que gritava o nome de Dilma Rousseff dizendo: “Eu espero que a profecia que diz que a voz do povo é a voz de Deus esteja correta neste momento”. Foi punido com uma multa de R$ 5 mil. “Vamos recorrer”, declarou Dilma. Já Sua Majestade cobrou dos militantes, em outro comício, durante a inauguração de 106 apartamentos populares inacabados num bairro pobre em Osasco, o pagamento de eventual nova multa: “Se eu for multado, vou trazer a conta para vocês. Quem é que vai pagar a minha multa? Levanta a mão aí, que eu vou cobrar”, disse a uns mil adesistas que gritavam o nome da pré-candidata.

Sua Majestade, que criticara o governador José Serra por ter apresentado uma maquete de obra que pretendia licitar e construir (uma ponte ligando Santos a Guarujá) declarando: “Tem gente aí inaugurando até maquete”, não se acanhou com a falta de azulejos nos apartamentos que inaugurava, dizendo que isso era bom para as famílias beneficiadas, que podiam não gostar do revestimento original: “Tem gente que vê o azulejinho de uma cor e na semana seguinte está tirando e colocando outro. Então é melhor entregar semiacabado, para as pessoas poderem fazer o que elas gostam.” Dilma se entregou à liberdade poética dizendo aos moradores dos apartamentos de dois quartos com 50m² de área teriam varandas para namorar e olhar a lua: “Estou vendo a varandinha ali. Cada um de nós tem que ter direito a isso”, elogiou a Mãe do PAC, apontando um dos prédios, não percebendo que as unidades tinham apenas duas janelas, e nenhuma varanda, confundindo-se ao ver pessoas debruçadas sobre a grade de uma área de circulação, fora dos apartamentos.

Sua Majestade emendou de modo ainda mais poético: “Em vez de a mulher ficar batendo no marido com o chinelo ou com a concha de feijão, é melhor trancá-lo do lado de fora. Ele fica na varandinha, refrescando a cabeça”. E concluiu o comício prometendo intensificar o ritmo de suas viagens de campanha usando a máquina administrativa e o dinheiro público até a eleição de sua sucessora no reino: “Quem vai ser candidato tem que se afastar, mas nós vamos ter que trabalhar muito mais. Este ano vou viajar o Brasil inteiro, para inaugurar todas as coisas que estamos aprontando.” No mesmo dia, Sua Majestade recebia nova multa do TSE, desta vez de R$ 10 mil por uma propaganda antecipada em janeiro, na inauguração do Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados de São Paulo, quando disse que Dilma estava “palanqueira”.

Enquanto Sua Majestade recorria dessa multa, a diretoria do Sindicato apressava-se em fazer uma vaquinha junto aos seus associados para pagar os R$10 mil. Sua Majestade “profetizara” a vitória de Dilma: “A cara do Brasil vai mudar muito e quem vier depois de mim, e eu por razões legais não posso dizer quem é, e espero que vocês adivinhem, vai encontrar um programa pronto com dinheiro no Orçamento, porque estou fazendo o PAC 2”. Se o recurso de Sua Majestade for acatado e ele se livrar da multa, o Sindicato já fez à custa de idiotas uma caixinha, obrigado!

Sua Majestade não se amola com as multas. Ao participar na Conferência Nacional da Educação, em Brasília, declarou: “Daqui a pouco vou ter que trabalhar o resto da vida para pagar multa”, antecipando que não vai respeitar as leis nem parar de trabalhar para sua candidata. Foi defendido pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, que afirmou que Sua Majestade “não vai deixar de exercer aquilo que a lei garante que ele pode fazer, como inaugurar e participar de campanha, senão, ele vai ser menos que qualquer cidadão. Não sei se é isso que a oposição quer, que ele seja menos [...] O governo faz o papel dele”.

Sua Majestade também condenou o uso da máquina pública nas campanhas, que ele atribui apenas aos adversários: “É preciso que a gente seja definitivamente republicano neste país, que a gente passe para a sociedade a ideia de que é possível você ajudar um candidato, você participar de um processo eleitoral, sem utilizar a máquina como sempre se usou neste país para beneficiar um ou outro candidato [...] fui multado porque eu falei que nós íamos ganhar as eleições, e a câmera de TV mostrou a cara da Dilma, que estava no palanque”, disse Sua Majestade em seu programa de rádio, eximindo-se de... de... De que mesmo?

Sua Majestade voltou à campanha num ato político de apoio do PCdoB à pré-candidatura da já ex-ministra Dilma Rousseff, declarando que nunca antes no país houve campanha eleitoral “tão fácil” à Presidência da República como a deste ano. Apesar de reconhecer a força dos adversários, Sua Majestade afirmou, de modo paradoxal e contraditório, que o PT ganhará fácil: “Eu, sinceramente, acho que nós não vamos ter uma campanha fácil. Mas se depender dos times que estão em campo, nunca tivemos uma tão fácil. Não porque os adversários sejam fracos [...]. Somos mais fortes. Estamos mais preparados, temos história. [...] Hoje não tem ninguém mais preparado do ponto de vista técnico para governar este país do que esta senhora, futura presidenta desse país.”

Sua Majestade declarou que fará “campanha na rua” por Dilma, desafiando o Judiciário: “Não podemos permitir que nosso destino fique correndo de tribunal para tribunal”. O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Mozart Valadares Pires, repudiou as declarações de Sua Majestade salientando que ninguém “tem o direito de infringir a lei eleitoral e fazer campanha antecipada [...]. Todos estão subordinados à legislação brasileira. Não prestamos contas a um juiz, mas à legislação”. Valadares advertiu que Sua Majestade “não pode utilizar a máquina pública para pedir votos nem favorecer sua candidata.” Para Luís Fernando Vidal, presidente da Associação Juízes para a Democracia, Sua Majestade “deveria dar o primeiro exemplo de respeito às regras do jogo” e que sua declaração “passa a impressão de que algumas pessoas não estão sujeitas à lei e aí é o jogo do vale tudo.”

Já o novo Ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, defendeu a campanha eleitoral de Sua Majestade com argumentos tortuosos: “A legislação tem que conter regras claras para que sejam cumpridas. Se a legislação não tem regras claras, se a norma não está bem clara para qualquer tipo de pessoa, fica muito ao poder subjetivo de cada decisão judicial, pode ser diferente em cada ponto do Brasil essa análise de conduta [...] Quando se está tratando de uma conduta o ideal é que a norma regularize as condutas de maneira clara e objetiva a fim de que ela possa ser seguida por todos. Se isso não acontece, cria um campo de subjetividade que vai ser sempre objeto de uma interpretação que muitas vezes pode ser antagônica a outra. Não acho que a lei eleitoral é subjetiva, mas acho que as regras de conduta durante uma campanha eleitoral devem ser cada vez mais objeto de uma sistematização, de esclarecimento e de preenchimento dessas lacunas que porventura existam para impedir justamente que o Poder Judiciário tenha que ser chamado a cada ato para dizer o que é ou não permitido no processo eleitoral. Devemos evitar a judicialização da questão eleitoral. Acho que o melhor é que esse processo seja mais conduzido no campo político do que necessariamente no campo judicial.”

A declaração ardilosa e um pouco enigmática parece condenar o Judiciário, que sempre julga de acordo com sua ética, com base em provas objetivas. O Ministro sugere substituir essas decisões subjetivas do Judiciário por um mal definido “jogo político”, no qual obviamente a vitória é sempre dos mais fortes, dos poderosos, de Sua Majestade. Toda legislação possui brechas, que são devidamente usadas pelos criminosos, como entre os delinqüentes que a Justiça não consegue enquadrar, nos romances de Patricia Highsmith. Para punir os criminosos de massa do nazismo, o Tribunal de Nuremberg teve de criar a posteriori uma lei que qualificasse o crime contra a humanidade, embora o “não matarás” fosse um velho preceito moral subjetivo e válido, mas legalmente impotente contra assassinos de massa sem consciência moral “cumprindo ordens” emanadas do poder constituído.

Normalizar condutas é um sonho totalitário. O homem ético caracteriza-se pelo respeito à lei, mesmo consciente das brechas, que tornam possível sua burla. Já o militante totalitário do PT não consegue evitar o uso das brechas de uma legislação democrática que ele considera democrático-burguesa. Ele se acredita ético justamente ao burlar, em suposto benefício do povo, a legislação da democracia burguesa, que ele diz respeitar apenas para continuar a desrespeitá-la sem punição. Assim, Sua Majestade declarou à imprensa em alto e bom som que fará campanha até o fim de seu mandato, nas suas “horas vagas” e como “cidadão comum”, terminado seu expediente diário na Presidência. Depois de despachar em seu gabinete palaciano, sabe-se lá de que horas até que horas, Sua Majestade irá para as ruas gritar, sem as dignidades do cargo, o nome de sua candidata. Bem, isso não está muito claro. Há uma brecha de conduta aqui. Sua Majestade irá às ruas a pé ou em carro oficial? Viajará de ônibus ou de Aerolula? Gastará dinheiro de seu bolso (apesar da relutância em pagar multas) ou usará seu cartão corporativo (acima de qualquer suspeita ou investigação)? São perguntas que os jornalistas ainda não fizeram a Sua Majestade.

Sua Majestade transformou as cerimônias de inauguração das obras do PAC em comícios financiados pelo erário, mas recebeu apenas duas multas leves por isso, que ele se recusa a pagar (com recursos judiciais e vaquinhas de sindicatos). É verdade que Serra compareceu a mais cerimônias de inauguração: 27, contra 22 de Dilma. Contudo, o governador paulista inaugurou obras de sua administração. Já Dilma inaugurou, com cobertura nacional, em diferentes Estados, obras de uma administração que a inclui, mas que não é a sua. Por isso Sua Majestade a nomeou previa e espertamente a “Mãe do PAC”. Numa dessas ocasiões, em Belo Horizonte, a Mãe do PAC deixou escapar, em ato falho, a verdade sobre o caráter de suas cerimônias de inauguração: “Eu queria desejar e dirigir um especial cumprimento às mulheres aqui da frente que hoje animam sem dúvida esse comício”.

Se muito antes da campanha eleitoral o uso da máquina chegou a esse ponto, prevê-se no reino uma eleição tão limpa quanto a do Irã, que Sua Majestade fez questão de legitimar qualificando o levante dos dissidentes que pagaram com prisão e morte sua denúncia de fraude a uma briga de torcida após a derrota de um time (o futebol é uma importante baliza para a interpretação do mundo no universo mental de Sua Majestade), tal como a greve de fome dos cubanos dissidentes em prisão política na Ilha dos Castro, e que levou um deles à morte, foi qualificada de chantagem inadmissível feita por criminosos comuns. Só que no reino de Sua Majestade a fraude será mais sofisticada. O Brasil tornou-se, ousadamente, o único país do mundo a digitalizar inteiramente suas eleições. Com as urnas eletrônicas em vigência do Oiapoque ao Chuí, a votação escapa totalmente e para sempre do controle dos antigos fiscais dos partidos em disputa, que não têm mais acesso às cédulas de papel para sua contagem ou recontagem. Será por isso que um país tão atrasado e pouco democrático como os EUA reluta tanto em adotar as urnas eletrônicas? Não é difícil prever que as próximas eleições legitimarão o reinado petista, eternizando seu regime segundo o admirado modelo sucessório cubano, onde Príncipe Raul sucede o Mano Velho adoentado depois de trinta anos de reinado. De fato, Sua Majestade Lula está cada vez mais parecida com Sua Majestade Fidel Castro..

Luiz Nazario

sexta-feira, maio 14, 2010

Sua Majestade Lula - Parte II

Instantâneos do culto da personalidade de corte comunista totalitário: Stalin, Mao Tse-Tung e a variante brasileira, Lula, o Filho do Brasil.

O culto da personalidade chegou ao auge com Lula, o Filho do Brasil, a cinebiografia de Sua Majestade lançada com 500 cópias, número inédito para um filme nacional, produzida pela Família Barreto com um montante de R$10,8 milhões em doações de empresas, a maioria delas financiadas em seus negócios pelo BNDES ou contratadas para a execução de obras e serviços do governo federal. Entre os doadores privados para a produção do filme destacou-se o empresário Eike Batista com a doação de US$ 1 milhão. Ele já havia financiado a campanha da reeleição de Lula doando US$ 1 milhão. Logo ele ocupava o 142º lugar na lista dos homens mais ricos do mundo com uma fortuna estimada em 6,6 bilhões de dólares em 2008, passando para o 61º lugar em 2009 e para o 8 º lugar em 2010, tornando-se, com uma velocidade espantosa, o homem mais rico do Brasil, com uma fortuna aproximada de 27 bilhões de dólares. O diretor do filme, Fábio Barreto, inspirou-se na biografia de Lula da jornalista Denise Paraná, fazendo pequenas adaptações:

NO FILME

NO LIVRO

Aristides, pai de Lula, esbofeteia o filho e avança para a esposa Lindu, mas Lula impede que ele bata em Lindu.

Aristides bate em Dona Lindu com uma mangueira, e avança para o filho, mas Dona Lindu impede que ele bata em Lula.

Impressionada com Lula na escola, a professora Terezinha se oferece para adotar o menino: “A senhora não quer que ele seja alguém?”. Dona Lindu responde altiva: “Ele já é alguém. Ele é Luiz Inácio”.

Quando Lula morava em Santos e Dona Lindu quis se mudar para São Paulo, a professora Terezinha insinuou que poderia adotar o menino para que ele pudesse continuar estudando em Santos.

Durante o linchamento de um diretor de fábrica Lula diz ao irmão sindicalista: “Ele também é um trabalhador”.

Sobre o linchamento do diretor de fábrica Lula comentou: “Eu achava que o pessoal estava fazendo justiça”.

Lula descobre corrupção no Sindicato dos Metalúrgicos e cobra, indignado, o afastamento do presidente da entidade.

Não há nenhuma referência a isso na biografia de Lula que serviu de base para a realização do filme. (Fonte: Veja)


Embora o diretor Barreto tenha sofrido um acidente de carro pouco depois da estréia do filme, permanecendo em coma até hoje, nada apagou o brilho deste que foi o maior lançamento da história do cinema brasileiro. Contudo, apesar de todo o empenho da propaganda, o filme acabou fracassando nas salas comerciais: poucos se animaram a ver a cinebiografia de um presidente em exercício, sabendo que nada de grandioso ou terrível, de escandaloso ou chocante, de picante ou indecente poderia ser aí apresentado. A previsão era de 5 milhões de espectadores. O filme vendeu 102 mil ingressos no segundo fim de semana de exibição – um resultado medíocre considerando as 430 salas que suas cópias ocuparam. No mesmo período, Alvim e os esquilos II vendeu 640 mil ingressos. Mas a carreira forçada de Lula, o filho do Brasil grotões adentro ainda não começou: as centrais sindicais planejam projetá-lo nas áreas mais pobres do país com ingressos subsidiados; o DVD do filme será lançado no Dia dos Trabalhadores, em 1º de maio; a Rede Globo deve exibir a fita editada em minissérie, etc.

Em abril de 2010, Sua Majestade Lula deu as caras na TV Bandeirantes, depois de anos sem se dignar a falar com a “antiga imprensa”. Sobre a liberdade nas mídias disse desconhecer país que não a tenha (Datena lembrou Cuba, mas Sua Majestade fingiu não ouvir). Boris Kasoy, fragilizado pela revelação de sua militância juvenil no Comando de Caça aos Comunistas, documentada num número de 1968 da antiga Revista Cruzeiro, e pelo processo que lhe moveu o sindicato dos garis, por uma sua desavisada e infeliz declaração discriminatória, ousou confessar seu temor do controle da informação pelo governo. Sua Majestade então gritou (tendo aprendido com Hitler, um dos líderes que admirava na juventude, como vencer um debate – sobrepondo seu vozeirão ao sussurro tímido do antagonista assustado): “Você não foi à reunião que decidiu isso, Boris? Pois devia ter ido. Agora é assim! As decisões são tomadas nos debates! Depois não adianta reclamar!”.

A lógica petista de Sua Majestade faz lembrar a de Maria Antonieta expressa na famosa frase que lhe foi atribuída: “S’ils n’ont pas de pain, qu’ils mangent de la brioche!”, ou seja, “Se eles [os pobres] não têm pão, que comam bolos!”. Mas duvido que, se ela proferiu a frase, o tenha feito aos berros. A nobreza era cínica e cruel, mas não totalitária (como os revolucionários adeptos da guilhotina funcionando a todo vapor). Já na democracia petista agora é assim: vence quem grita mais alto. As medidas autoritárias são tomadas após reuniões e debates aterradores em que os militantes exercitam orgasticamente sua “novilíngua”, zelando em maioria pelo triunfo das diretrizes da cúpula; as discussões desenrolam-se ritualisticamente, encetadas apenas para legitimar, com a chancela do “debate democrático”, as decisões já tomadas nas instâncias superiores, que triunfam sempre (basta lembrar que a queda da CPMF foi a única derrota do governo até hoje). É o modelo da “democracia popular” e da “democracia direta” que Sua Majestade importou dos regimes comunistas, e que será aprofundado no reinado da princesa Dilma.

Sua Majestade Lula descartou qualquer censura à imprensa, acrescentando ser preciso, contudo, fazer alguma coisa contra a violência na TV, pois de manhã à noite só vê crimes e tiros na telinha. Datena lembrou que os noticiários policiais cobrem o que se passa nas ruas e para se acabar com a violência deve-se cuidar da segurança: “Se eu apresentasse um programa de TV na Suíça não cobriria crimes”, observou, acrescentando que, no Brasil, política e crime estão andando juntos – as reportagens policiais viram reportagens políticas e vice-versa. Sua Majestade estranhou a idéia, e Datena exemplificou com o caso do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, acusado de corrupção, e que se encontrava preso sem condenação da Justiça. Lula retrucou com uma frase profunda e inquietante: “O que vem primeiro, o ovo ou a galinha?”. Com isso Sua Majestade sugeria que as imagens e os dados transmitidos pela TV produziam a violência, independentemente das condições sociais e materiais da recepção: pobreza crônica, desemprego em massa, moradias faveladas, falta de educação, famílias desagregadas, tráfico corruptor, etc. A TV deveria ser, pois, censurada, pois os telejornais estariam a cobrir uma violência que eles próprios gerariam... O fracasso da administração de Sua Majestade (nos quesitos educação, moradia, emprego, segurança, etc.) estaria assim resolvido.

Sobre o caso Arruda, propriamente, nenhum jornalista lembrou-se de indagar porque o governador foi imediatamente preso (seguindo-se a isso uma campanha infernal de imprensa sobre o “mensalão do DEM”) enquanto Lula, Dirceu e todos os mensaleiros do PT ficaram soltos após as denúncias do mensalão do governo. Enquanto o mensaleiro do DEM foi imediatamente preso “para não destruir provas” os mensaleiros do PT puderam permanecer livres com advogados a tiracolo zelando para que não abrissem o bico, destruindo todas as provas, governando o país e enriquecendo ainda mais. Ou seja, corrupto do PT pode, do DEM vai preso sem direito a habeas corpus. Na mesma semana em que a Justiça negou a Arruda prisão domiciliar, um Juiz mandou soltar os presos (ladrões, assassinos, estupradores) que estavam em containers no Espírito Santo por serem aquelas condições de prisão desumanas. De fato, a prisão dos criminosos em containers era um verdadeiro campo de concentração de tipo nazista como “nunca antes neste país” se vira igual. Mas a solução era soltar os criminosos sem teto, condenados pela Justiça? Por que não processar os responsáveis por aquela barbárie nazista e construir para os criminosos presídios decentes? Ou seja, soltar criminoso condenado pela Justiça pode, mas soltar políticos da oposição acusados de corrupção sem culpa provada, não...

Pouco se falou também da pretensão de Sua Majestade de levar a paz ao Oriente Médio. Caiu mal na comunidade judaica a recusa de Sua Majestade em visitar o túmulo de Theodore Herz, cujo sonho de um Estado Judeu se concretizara no Estado que Lula visitava, e cuja existência ele reconhecia na visita oficial, a primeira de um presidente brasileiro. Mas ao recusar homenagear aquele que sonhara o Estado em que era recebido, Lula deixou implícita sua rejeição ao sionismo, ou seja, ao Estado que visitava. Alguns interpretaram sua recusa como politicagem: na qualidade auto-atribuída de Mediador do Conflito (como ele e outros delirantes o imaginam), ele não poderia ofender os palestinos homenageando o idealista que sonhou o Estado Judeu (ainda que pudesse ofender os judeus vitimados pelo terror palestino depositando flores no túmulo de Arafat).

A embaixadora israelense Dorit tentou colocar panos quentes na situação, sugerindo que Lula talvez ignorasse quem fora Herz. Mas Sua Majestade (“não sei de nada”) sabia de tudo, informado pelos muitos assessores judeus (empresários de esquerda, ideólogos marxistas, neo-stalinistas pacifistas) que o acompanharam na viagem. Além disso, Marco Aurélio “Top Top” Garcia e o ex-diretor da Embrafilme, Celso Amorim, hoje alguma coisa no exterior, certamente aconselharam Sua Majestade Mediadora a não dar esse faux-pas. Na lista dos integrantes do trem de alegria de Sua Majestade rumo ao Oriente Médio divulgada pela CONIB não percebi nomes árabes. Só nomes judeus. Os assessores palestinos, islamitas, árabes, teriam tomado outro trem da alegria à espera de Sua Majestade à saída de Israel? E os amigos e assessores judeus? Continuaram com Sua Majestade nos países árabes, numa comitiva ecumênica juntando assessores judeus e assessores árabes, todos a incentivar a paz? Ninguém comentou esse pormenor.

Parece que, entre os dignitários judeus que acompanhavam Sua Majestade, apenas a assessora Clara Ant e o Governador da Bahia, Jaques Wagner, seguiram para a Palestina e a Jordânia. A assessora Ant criticou os judeus que criticaram Sua Majestade na carta aberta “Colecionador de Amizades” (epíteto que Shimon Peres cunhou para Sua Majestade Lula), onde observou que entre 2003-2008, o intercâmbio comercial entre Brasil e Israel mais que triplicou, saltando de US$ 506 milhões para US$ 1,6 bilhão, fazendo do Brasil o principal parceiro comercial de Israel na América Latina; e que o Acordo de Livre Comércio entre MERCOSUL e Israel – o primeiro do bloco sul-americano com um país de fora das Américas – alargará ainda mais esses promissores horizontes de negócios.

Ex-trotskista, Clara Ant observou que, além da agenda oficial, ocorreram encontros com lideranças de organizações pacifistas, certamente estreitando os laços do Brasil com os inimigos de Israel dentro de Israel. Um dos pontos altos da viagem foi, a seu ver, a visita ao novo Museu do Holocausto. Mas pelo que pudemos perceber na mídia, enquanto Dona Marisa sorria em seu vestido rosa-choque, encantada com a parede tomada pelas fotos das vítimas do Holocausto, Sua Majestade repetia “nunca mais, nunca mais, nunca mais”, sugerindo que esse memorial às vítimas da “irracionalidade humana” deveria ser de conhecimento obrigatório para todos aqueles que queiram dirigir uma nação. Sua Majestade diluía o complexo fenômeno do antissemitismo, do nazismo e do Holocausto na “irracionalidade humana”, criticando pelas costas o amigo iraniano Mahmud Ahmadinedjad, negador do Holocausto, que Lula não hesitava em receber em palácio, num ato de “irracionalidade humana” que Clara Ant não percebia como tal nem condenava.

No Museu, Sua Majestade depositou uma coroa de flores para todas as vítimas do extermínio nazista, repetindo o que fizera na entrada do Congresso em memória dos soldados israelenses mortos nos conflitos regionais. Sua Majestade defendeu enfaticamente a existência do Estado de Israel, soberano, seguro, pacífico, convivendo, lado a lado, com um Estado Palestino soberano, seguro, pacífico. E se os palestinos não se contentarem com um Estado seguro, soberano, pacífico, convivendo, lado a lado, com um Estado judeu soberano, seguro, pacífico? E se os judeus não admitirem que seu Estado seja povoado por uma maioria árabe ditando as regras, suprimindo sua liberdade de determinar seu futuro? Ora, no Brasil, judeus e árabes “vivem em perfeita harmonia”. Por que não no Oriente Médio? Será porque lá eles vivem outra dimensão da História? Sua Majestade não dá bola para a História. Por isso ele foi lá brandir sua credencial de Mediador da Paz, levando uma importantíssima mensagem pacifista àqueles ignorantes.

Somente a grande historiadora Anita Novinsky, em breve recado a Clara Ant na Rua Judaica(1), para perceber como certa ideologia tem deformado a linguagem, em deslizamentos de sentidos que contaminam toda a mídia. Finalmente alguém notou a visão deformada sobre o sionismo como suposta “criação” de um ideólogo. A ojeriza de Sua Majestade Lula em visitar o túmulo de Herzl é coerente com o programa petista que condena o sionismo, mas compromete sua autoconcedida credencial de Mediador, a levar sua tão importante, tão inédita, mensagem de paz aos ignorantes belicosos do Oriente Médio. Para Ant, “nunca antes aconteceram” entre Israel e Brasil o que agora acontece com Sua Majestade; por isso, “seria muito bom que a comunidade [judaica] no Brasil conhecesse e pudesse debater a pluralidade de posições que existem lá em Israel [...]. Um professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, que já dirigiu o Mossad [...] defende [...] a necessidade de envolver o Hamas num acordo. Muitas vezes a maneira como são tratadas algumas diferenças no interior da comunidade [judaica brasileira] me lembram o absurdo do pensamento único imposto pelo stalinismo, que eu sempre combati. Da mesma forma que o anticomunismo (ou o anti-socialismo) me faz lembrar que o primeiro golpe dado por Hitler foi conseguir maioria a partir da retirada dos comunistas do parlamento.” Aqui, a “ex-trotskista” Clara Ant, citando o vago exemplo do “professor ex-Mossad” simpático a “acordos com o Hamas”, assimila a comunidade judaica brasileira (supostamente ignorante do pluralismo de Israel) a Hitler e a Stalin, dando continuidade ao pensamento trotskista reformado em petismo, que nas incessantes investidas de Sua Majestade no exterior parece querer emular a revolução permanente de Trotski...

Nota

(1) “Tudo que você disse é verdade. Mas a repercussão de certa atitude e frases pronunciadas pelo nosso presidente surpreendeu os que o admiravam. Afinal, ele não ia depositar flores no túmulo do "criador" do sionismo. Sionismo existe desde que existe o povo judeu. Herzl apenas procurou uma pátria como solução para a tragédia do povo judeu, depois dos massacres na Rússia, explicando, esclarecendo e abrindo os olhos do mundo de que a causa de tanta dor era a falta de um território nacional. E apenas por curiosidade, para relembrar a história, foi um português, Damião de Góis, que disse exatamente isso, no século XVI.” NOVINSKY, Anita. Querida Clara Ant. Tribuna do Leitor, Rua Judaica, 4/5/2010.

Luiz Nazario

quinta-feira, abril 15, 2010

Sua Majestade Lula - Parte I



Acima, cartão postal da corrupção do Museu da Corrupção, seguido de duas caricaturas (a primeira de Thomate, a segunda, de Angeli) que sintetizam com eficiência o espírito de nosso tempo.

Foi inaugurado na Internet um museu virtual único na história dos museus do mundo: o Museu da Corrupção. Ali estão reunidos todos os escândalos envolvendo o Governo brasileiro: enriquecimentos ilícitos, superfaturamentos, assaltos ao erário público, caixas 2, os sistemas de “mensalão” e de “mensalinho”, cartões corporativos... Bem, a sala desses cartões permanece fechada ao público, devido à alegada falta de acesso aos dados, a despeito das informações detalhadas sobre os mesmos que podem ser consultados no Portal da Transparência, lançado pelo Governo. Ali se pode saber, ano a ano, quanto e como cada funcionário de cada pasta gastou com seu cartão corporativo, o total geral das despesas do Governo e os gastos que estão protegidos por sigilo:

2002: Presidência: R$2.866.930,23. Informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado: R$2.768.243,54. Total de pagamentos efetuados com Cartões de Pagamentos do Governo Federal em 2002: R$3.004.180,40.

2003: Presidência: R$8.308.708,72. Informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado: R$7.833.524,25. Total de pagamentos efetuados com Cartões de Pagamentos do Governo Federal em 2003: R$9.262.660,44.

2004: não consta mais a rubrica da Presidência. Informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado. R$8.838.137,27. Total de pagamentos efetuados com Cartões de Pagamentos do Governo Federal em 2004: R$14.151.233,77.

2005: não consta mais a rubrica da Presidência. Informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado: R$ 10.829.512,47. Total de pagamentos efetuados com Cartões de Pagamentos do Governo Federal em 2005: R$21.706.269,63.

2006: não consta mais a rubrica da Presidência. Informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado: R$11.164.233,46. Total de pagamentos efetuados com Cartões de Pagamentos do Governo Federal em 2006: R$33.362.544,98.

2007: não consta mais a rubrica da Presidência. Informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado: R$16.304.568,91. Total de pagamentos efetuados com Cartões de Pagamentos do Governo Federal em 2007: R$76.254.491,76.

2008: não consta mais a rubrica da Presidência. Informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado: R$18.716.924,26. Total de pagamentos efetuados com Cartões de Pagamentos do Governo Federal em 2008: R$55.257.326,02.

2009: não consta mais a rubrica da Presidência. Informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado: R$27.804.490,62. Total de pagamentos efetuados com Cartões de Pagamentos do Governo Federal em 2009: R$64.547.860,27.

2010: não consta mais a rubrica da Presidência. Informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado: R$5.358.584,85 (até abril). Total de pagamentos efetuados com Cartões de Pagamentos do Governo Federal em 2010: R$ 11.002.652,65 (até abril).

Como se vê, a transparência é relativa no Portal da Transparência, pois boa parte dos gastos, em proporções que variam de 20% a 80%, conforme o ano (os matemáticos poderão fazer contas precisas a partir dos dados do Portal da Transparência), não tem nenhuma transparência: a gastança da Presidência, a maior de todas as rubricas, é protegida por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado. E como a rubrica da Presidência desaparece em 2004, provavelmente a partir da vigência da lei, pode-se deduzir que ela coincida quase inteiramente com as “informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado”, mesmo quando Sua Majestade compra uísque e caviar, ternos Armani e gravatas vermelhas. Pode-se ainda constatar que os gastos com os cartões corporativos elevaram-se de ano a ano: de R$3.004.180,40 em 2002 para R$64.547.860,27 em 2009, revelando-se um importante “instrumento administrativo” na transparente gestão petista.

Oferecendo total transparência ao povo como prova de sua gestão impecável, Sua Majestade tem manifestado profunda irritação com as críticas da imprensa, ou seja, com o que restou de oposição no país, já que apenas 4% da população desaprovam sua gestão, segundo as últimas pesquisas. Se ainda não se pode impor um “controle social” (a censura da esquerda) à imprensa, os cortesãos alinhados não hesitam em desacreditá-la. Segundo o cineasta Jorge Furtado, por exemplo, “a antiga imprensa brasileira virou um partido político, incorporando as sessões paulistas do PSDB (Serra) e do PMDB (Quércia), e o DEM (ex-PFL, ex-Arena).”A ousada tese de Furtado baseia-se na interpretação que ele próprio fez da frase: “Obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada.” (O Globo, 19 mar. 2010), pinçada do discurso de Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional dos Jornais e executiva do jornal Folha de S. Paulo, ao jornal O Globo, denunciando o “controle social da mídia” proposto pelo Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) apresentado pelo governo do PT, de feições totalitárias. O Plano prevê a criação de uma todo-poderosa “Comissão Nacional da Verdade” e a suspensão das mídias que no entender dos ilustres comissários cometeriam “violações dos Direitos Humanos”.

Furtado concluiu de sua própria interpretação da frase de Maria Judith Brito que “Serra, FHC e seu partido, a imprensa, estiveram no poder por oito anos. Deixaram o governo com desemprego, juros, dívida pública, inflação e carga tributária em alta, crescimento econômico pífio e índices muito baixos de aprovação popular [...] a criminosa desigualdade social brasileira permaneceu inalterada e os índices de criminalidade (homicídios) tiveram forte crescimento”. Já o governo atual “conta com enorme aprovação popular” e “não há um único índice social ou econômico em que o governo Lula (Dilma) não seja muito superior ao governo FHC (Serra)”. Quanto à ideologia do “partido da imprensa”, ela “reúne os interesses da direita brasileira.” Uma conclusão que justifica, obviamente, o “controle social da mídia” pelos fascistas de esquerda, reconhecíveis através do uniforme que geralmente adotam, aposentando os jeans surrados e as camisetas Che Guevara, ao chegar finalmente ao poder executivo: terno preto com gravata vermelha.

Mas a verdade não é simples. A “antiga imprensa” fez forte oposição ao governo FHC e ajudou a eleger Lula. A maioria dos jornalistas adota posições de esquerda, ainda que seus patrões defendam interesses de direita. O que os donos da “antiga imprensa” publicam não reflete, assim, necessariamente, os seus interesses de direita, uma vez que seus veículos estão em última instância nas mãos dos jornalistas que militam dentro deles, e que não perdem uma ocasião de favorecer os seus interesses de esquerda. Assim, a “antiga imprensa” ajudou e muito o PT a chegar ao poder. Nas democracias liberais, os governos são obrigados a prestar contas de seus atos à imprensa, em eterna posição de cobrança. Já a democracia petista que deseja eternizar-se no poder pensa em calar esse “partido de oposição” submetendo-o a um controle social: só caberá à imprensa divulgar a bilionária propaganda estatal que introjeta o mito grotesco do Brasil Primeiro Mundo, do Brasil Potência, do Brasil que se Orgulha, do Brasil do Pré-Sal numa população idiotizada pela cultura do futebol, do carnaval, das nádegas, do axé e da cerveja.

E o que significa a “enorme aprovação popular”, que enche a boca dos admiradores de Sua Majestade? A História nada ensina aos homens? Hitler foi o mais votado a 14 de novembro de 1933, com 93% dos votos, ou 40 milhões de “sim” contra 2 milhões de “não”, triunfo que incluiu uma maioria de votos “sim” entre os prisioneiros dos campos de concentração (Dachau, o primeiro deles, fora inaugurado em março de 1933, imediatamente após a tomada do poder – cf. KLEMPERER, Victor. LTI – A linguagem do Terceiro Reich. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009, p. 87). Hitler tornou-se ainda mais popular ao acabar com o desemprego na Alemanha implantando um “programa de crescimento acelerado” de construção de auto-estradas. Também a ditadura militar tornou-se popular no Brasil implantando um “programa de crescimento acelerado” (Itaipu, Ponte Rio - Niterói, etc.).

Uma famosa entrevista que Lula deu à Playboy, em 1979, transcrita por Reinaldo Azevedo em seu blog, esclarece o sentido aparentemente contraditório das atitudes de Sua Majestade:

[...] Playboy – Há alguma figura de renome que tenha inspirado você? Alguém de agora ou do passado?

Lula [pensa um pouco] – Há algumas figuras que eu admiro muito, sem contar o nosso Tiradentes e outros que fizeram muito pela independência do Brasil […]. Um cara que me emociona muito é o Gandhi […]. Outro que eu admiro muito é o Che Guevara, que se dedicou inteiramente à sua causa. Essa dedicação é que me faz admirar um homem.

Playboy – A ação e a ideologia?

Lula – Não está em jogo a ideologia, o que ele pensava, mas a atitude, a dedicação. Se todo mundo desse um pouco de si como eles, as coisas não andariam como andam no mundo. […]

Playboy – Alguém mais que você admira?

Lula [pausa, olhando as paredes] – O Mao Tse-Tung também lutou por aquilo que achava certo, lutou para transformar alguma coisa.

Playboy – Diga mais…

Lula – Por exemplo… O Hitler, mesmo errado, tinha aquilo que eu admiro num homem, o fogo de se propor a fazer alguma coisa e tentar fazer.

Playboy – Quer dizer que você admira o Adolfo?

Lula – [enfático] Não, não. O que eu admiro é a disposição, a força, a dedicação. É diferente de admirar as idéias dele, a ideologia dele.

Playboy – E entre os vivos?

Lula [pensando] – O Fidel Castro, que também se dedicou a uma causa e lutou contra tudo.

Playboy – Mais.

Lula – Khomeini. Eu não conheço muito a coisa sobre o Irã, mas a força que o Khomeini mostrou, a determinação de acabar com aquele regime do Xá foi um negócio sério.

Playboy – As pessoas que você disse que admira derrubaram ou ajudaram a derrubar governos. Mera coincidência?

Lula [rápido] – Não, não é mera coincidência, não. É que todos eles estavam ao lado dos menos favorecidos. […].

Playboy – No novo Irã, já foram mortas centenas de pessoas. Isso não abala a sua admiração pelo Khomeini?

Lula – É um grande erro [...]. Ninguém pode ter a pretensão de governar sem oposição. E ninguém tem o direito de matar ninguém. Nós precisamos aprender a conviver com quem é contra a gente, com quem quer derrubar a gente […]. É preciso fazer alguma coisa para ganhar mais adeptos, não se preocupar com a minoria descontente, mas se importar com a maioria dos contentes.

Lula seguiu seus modelos e tornou-se um clone – em escala mínima – de todos eles. Revelou coerência ao escolher seus líderes – Gandhi, Che Guevara, Mao Tse-Tung, Hitler, Khomeini e Fidel Castro – sempre minimizando a ideologia de cada um deles, valorizando apenas o impulso totalitário que os movia. De fato, o espírito de Gandhi preside o Programa Fome Zero; o odor de Che Guevara anima o Movimento dos Sem Terra; o bafo de Mao Tse-Tung sopra sobre as obras do PAC; a sombra de Hitler aflora no caso Celso Daniel; o espectro de Khomeini paira sobre a aliança Brasil-Irã; os estertores de Fidel Castro embalam todo o governo Lula.

Como O pequeno Zaccarias chamado Zenóbio, de E. T. A. Hoffmann, Lula tem o poder sobrenatural de encantar a todos com seus discursos vazios e piegas entrecortados de gafes de neófito na civilização. Como Zenóbio, ele suga a sorte de todos que o cercam, atraindo para si as qualidades alheias. Por isso o “Cara” encanta e diverte todo mundo, personagem dileto dos humoristas, com sua língua presa falando o que lhe dá na telha, dando piruetas como um chimpanzé amestrado de circo, enquanto os velhos malabaristas que o cercam escorregam na lona e se estropiam. Só ele poderia escapar incólume de um escândalo das proporções do mensalão dizendo apenas “não saber de nada” enquanto a podridão de sua administração era exposta diariamente ao vivo, meses a fio, nas CPIs e nas TVs públicas; só ele poderia triunfar simultaneamente no Fórum Social Mundial e no Fórum do G-8; aceitar o convite da conferência da Governança Progressista e alertar seus membros de que estar ali não significava concordar com sua política, prevendo que cada um deixaria a reunião pensando o mesmo que antes; só ele poderia apertar a mão de George Bush e declarar admirar os EUA porque “os americanos só pensam neles mesmos”; só ele poderia solicitar o apoio de Tony Blair à pretensão brasileira de assento permanente no Conselho de Segurança da ONU para fortalecer as “posições da maioria” (contra Israel) nas decisões sobre o conflito no Oriente Médio, que “não interessa apenas aos EUA, mas a toda a humanidade” e condenar resolutamente a Inglaterra no caso das Malvinas (O Tempo, 15 jul. 2003).

Como Rudie, o Grande Ditador do maravilhoso romance The Holly Terror, de H. G. Wells, Lula pode dizer as maiores asnices que todos se encantarão devido à sua condição de ex-faminto nordestino ignorante, mas espertalhão, que diz a cada parte o que ela quer ouvir, satisfazendo a todos para seguir adiante, traindo a todos pelas costas; pode demonstrar total incompetência, por ser um Zé Ninguém alçado à Presidência da República pelas elites socialistas brasileiras (da ricaça socialista Marta “relaxa e goza” Suplicy ao ricaço Eduardo “de cueca no senado” Suplicy; das ONGs da maconha às socialites funkeiras que sobem o morro para confraternizar com “a comunidade”, cantando sujeiras e rebolando como vagabundas), cuja visão de mundo é deformada desde o berço pela culpa de “nadar em dinheiro” num país cheio de miseráveis. Apesar do crescimento quase zero do PIB; do desmatamento inédito da Amazônia; de algumas das piores catástrofes da História do Brasil – 154 mortos no desastre da Gol em 2006; 199 mortos no desastre da TAM em 2008; mais de 250 mortos nas inundações e deslizamentos de terra no Rio de Janeiro e em Niterói, em 2010; do maior assalto ao dinheiro público já registrado na História da República; da derrama que liquida a classe média em benefício de uma classe D que ascende à classe média para ser futuramente liquidada (o que essa classe D em ascensão ainda não percebeu); da destruição dos ideais da esquerda; do “apagão” aéreo que só afeta os que podem viajar; dos “apagões” de energia sem explicação satisfatória; da perseguição petista à imprensa, especialmente da revista Veja (queimada em pilhas no Forum Social Mundial, numa emulação da Bücherverbrennung nazista) e seus colunistas não corrompidos (Diogo Mainardi, acumulando processos; Reinaldo Azevedo, chamado de “pulga de orifício anal” e outros nomes bonitos nos blogs petistas a formar milícias de linchadores) e até mesmo aos jornalistas da “casa” (Salete Lemos, demitida da TV Cultura depois criticar bancos e governo; Eugenio Bucci, afastado da Radiobrás, hoje transformada numa agência de propaganda socialista), Sua Majestade manteve-se não apenas firme no trono como ganhou uma popularidade extraordinária, com quase 80% de aprovação de seu (des)governo.

O segredo para essa estabilidade e popularidade está na drenagem dos recursos acumulados pelo trabalho qualificado das classes B e C para as classes A e D, que não precisam de muito estudo para enriquecer ou trabalhar (os milionários brasileiros da classe A são geralmente self-made-men sem educação superior e nisso se igualam aos miseráveis brasileiros da classe D: o horizonte cultural de Zé Mané a Tião Maia, de Zé Fulano a Silvio Santos, de Zé Ninguém a José de Alencar, é o mesmo. Assim, o PT estabilizou-se no poder colocando Lula no cargo decorativo de Presidente para viajar a maior parte do tempo, realizando seu sonho de conhecer o mundo; confiando o governo às forças ocultas do PT, a economia ao czar Henrique Meirelles do PSDB (hoje bandeado para o PMDB) para esmagar a odiada classe média, a única progressista no Brasil, mantendo as taxas de juros entre as mais altas do mundo; estabilizando a pobreza com a ampliação do Programa Bolsa Família para 40 milhões de miseráveis; aparelhando o Estado com milhares de novos cargos de confiança preenchidos por “companheiros”; enriquecendo ainda mais os milionários e bilionários que controlam as mídias com censura interna e propaganda do governo. “Muitos petistas serão inocentados”, profetizou Sua Majestade à época do mensalão, quando recebia vaias no PAN, limitadas aos privilegiados que puderam pagar ingresso. A profecia foi largamente cumprida, com as CPIs terminando em “pizzas” e Sua Majestade afirmando sem pestanejar: “Ficou provado que o mensalão nunca existiu”.

Luiz Nazario