quarta-feira, setembro 24, 2008

Tesouro impresso



A editora italiana Franco Maria Ricci, criação de um bibliófilo apaixonado, destacou-se pela incrível qualidade de seus livros. Não apenas pela seleção de títulos, autores, tradutores e especialistas, mas também pela arte refinada de cada exemplar de coleções como Biblioteca de Babel (com introdução de Jorge Luis Borges) ou mesmo da revista bimestral FMR Magazine. O que se percebe em cada lançamento da FMR é sua tentativa de recuperar o livro como objeto único, fazendo da fabricação desses objetos mágicos uma arte complexa, riquíssima e essencial. Bem antes do assalto digital à escrita e à impressão, aquela editora já percebia que a transformação gradativa dos livros em objetos de escasso valor e durabilidade abria caminho para uma civilização centrada nos prazeres bárbaros do audiovisual.

Um exemplo da nova mentalidade bárbara, mascarada de modernidade, foi dado recentemente por uma publicidade – que nos foi enviada por Lyslei Nascimento – das Casas Pernambucanas para sua Coleção Primavera Verão 2008: “A casa moderna não esconde livros no armário. Ótimos como peças de decoração, livros são uma boa dica para servir de base para vasos e bibelôs espalhados por todos os cômodos. Misturar grafismos e estampas é um segredo que faz a diferença. A graça da decoração está justamente na ousadia. Cortinas leves e esvoaçantes, daquelas que dançam ao vento”. E a imagem do anúncio não deixa qualquer dúvida de que os livros hoje não passam, para o homem médio comum, de meros adornos ou, melhor dizendo, de ótimas peças de decoração.


Radicalizando a posição contrária ao abandono do universo escrito e da materialidade do livro (enquanto objeto de desejo e não enquanto objeto de decoração), a FMR acaba de lançar uma edição preciosa em todos os sentidos: trata-se do livro Michelangelo. La dotta mano. São apenas 99 exemplares (os primeiros 33 já foram todos vendidos) custando cada um 100.000 euros (R$ 265.000,00). O preço incrível justifica-se pelo valor de cada elemento dessa obra de arte total (Gesamtkunswerk) mais ou menos portátil: pesando 24 quilos, o livro traz já na capa uma escultura, que reproduz a Madonna della Scala realizada em mármore carrara. Quase tudo no livro é produzido artesanalmente, do veludo da encadernação ao papel sem ácidos que pode durar 500 anos (essa é a garantia dada pela editora). O texto é a biografia do artista escrita por Vasari, ilustrada por fotografias em preto e branco de Aurelio Amendola.

O livro marca o lançamento de uma nova coleção da editora, a Bookwonderful. O nome é uma homenagem à idéia de Thomas James Cobden-Sanderson, amigo e colaborador de um dos heróis da FMR, William Morris, editor da famosa Kelmscott Press, de criar uma editora que reunisse artistas, livreiros e autores em uma espécie de comunidade de trabalho. Os próximos livros da série incluem uma biografia de Catarina de Médicis escrita à mão e restrita a apenas 5 exemplares. O tour de force dessa obra artesanal obrigou a FMR a estimular pesquisas sobre a arte da caligrafia e da miniatura e financiar oficinas desse ofício especialmente para a confecção do livro. Jóias em todos os sentidos, esses volumes são também paralelepípedos lançados pela última elite culta contra os muros de aço e vidro que as massas aburguesadas erguem em todo o planeta para celebrar o fim do humanismo.

Mais informações:

- Esgota-se a primeira tiragem do livro mais caro do mundo, na Folha de S. Paulo.
- O excelente site da FMR traz um hot site especial sobre o lançamento, muito bem feito e minucioso nos detalhes.

Alcebiades Diniz Miguel/Luiz Nazario