Foi no início dos anos 1990 que se começou a mencionar a possibilidade de máquinas não-especializadas armezanarem arquivos multimídia compactados com algoritmos específicos de controle para a degradação digital – os chamados codecs. Mas seria apenas no final dos anos 1990, já no início do novo século, com o avanço inexorável da potência de processadores e da capacidade multimídia de sistemas operacionais que o compartilhamento de músicas compactadas no formato MP3 explodiu como coqueluche global. O pequeno software/serviço de distribuição Napster tornou-se, do dia para a noite, uma potência na rede mundial, enquanto gravadoras e músicos acionavam advogados para fazer valer seus direitos de propriedade intelectual. A natureza auto-devoradora do "comunismo eletrônico" que surgia com a Internet era clara: se todos os arquivos compartilhados provinham de uma "fonte" física – ou seja, houve alguém que se dispôs a comprar o produto no início dessa imensa "cadeia digestiva" – haveria um momento em que esse elemento acabaria suprimido. Empresas começaram a lançar propostas que, ao mesmo tempo, combatessem a pirataria e permitissem aos usuários a possibilidade de dispor, em formato digital, de suas músicas prediletas. Nesse momento, a Apple – fabricante dos computadores Macintosh – revolucionou o mercado, ao atrelar as compras dos arquivos digitais a um seu produto especialmente feito para representar no século XXI o que os walkmen da Sony representaram nos anos 1970-80, o iPod. O sucesso do modelo foi suficiente para que surgissem uma legião de aparatos tocadores de MP3 e serviços de venda de músicas na rede.
A expansão natural dos mercados e da tecnologia – incluindo a maior largura de banda da Internet, aumento da potência dos equipamentos, etc. – e a expansão das possibilidades de compressão para o digital com níveis de qualidade inigualáveis preparou o espaço para uma nova – e lucrativa – explosão que começa atingir os mercados globais: a venda de filmes de longa-metragem pela Internet. O prelúdio de tudo isso foi, novamente, configurado pela Apple, que vendia em seu serviço exclusivo séries de TV para iPods com capacidade de reprodução de vídeo. Pouco antes, a criação do software Bit Torrent – que descentraliza o arquivo digital compartilhado, tornando difícil seu rastreio pelas autoridades acionadas agora pelos estúdios de cinema – facilitava imensamente o download de filmes e séries inteiras com excelente qualidade e reduzidíssimas perdas advindas da compressão. Nesse mesmo período, serviços como o YouTube surgiam e, embora não tivessem qualidade suficiente, serviam para a difusão de vídeos em escala esponencial. Diante desse novo quadro, a Amazon e a Apple anunciaram suas respectivas lojas virtuais de filmes, aproveitando o nome e a experiência acumulada que ambas as empresas possuem no segmento de venda digital de produtos. Lançado dia 7 de setembro, o serviço da Amazon, batizado Amazon Unbox, oferece filmes e minisséries para venda. O modelo mimetiza o sistema da Apple: o usuário precisa baixar um player/software de download exclusivo (compatível apenas com Windows) e, se quiser reproduzir os vídeos fora do computador, precisará de um player de MP3 e vídeo concorrente do iPod como o Zen da Creative. A possibilidade de gravar DVDs com os filmes comprados é vedada. O preço dos filmes na Amazon Unbox varia bastante, mas os mais caros situam-se na média entre os US$ 10,00 a US$ 15,00.
A venda de filmes pela rebatizada iTunes Store – lançada em evento dia 12 de setembro, menos de uma semana depois do anúncio da Amazon –, da Apple, possui as mesmas limitações daquele oferecido pela Amazon: os arquivos não podem ser utilizados para gerar um DVD-video comum e estão restritos a um único aparato de reprodução (neste caso, o iPod reprodutor de vídeo) fora o computador (PCs com Windows ou Macs, no caso da iTunes Store). A Apple promete um box reprodutor de filmes sem-fio para o início de 2007, um mecanismo bem interessante que escapa um pouco da restrição dos aparelhos de reprodução caros e de telas minúsculas. No mais, os vídeos vendidos pela Apple (que especifica com clareza a resolução dos filmes, coisa que a Amazon não faz) são mais leves para baixar e possuem resolução de 640 por 480, bem próxima daquela obtida em um DVD. Além disso, o software da Apple, o iTunes, é muito bem estruturado e fácil de usar, além de estar na versão 7, correndo um risco bem menor de sofrer com bugs e panes repentinas. No quesito séries televisivas, o serviço da Apple apresenta um leque de opções bem maior que o da Amazon, incluindo séries de imenso sucesso como a recente Lost. Os preços, no serviço da Apple, são: mais ou menos US$ 10,00 por filme de longa metragem e US$ 2,00 para episódios de séries e outros shows televisivos (há descontos e promoções, evidentemente).
Ainda são poucos os estúdios apoiando essas pioneiras lojas online: alguns blockbusters da Warner, como V de Vingança (V for Vendetta, 2006) estão representados na Amazon Unbox. A Apple conseguiu atrair a Disney, Pixar, Touchstone e Miramax (todos estúdios vinculados à Disney). Por outro lado, pequenas distribuidoras e selos independentes e de arte também se arriscam no novo meio, apresentando até mais coragem, inventividade e inovação que os big players: por um curto período de tempo, a distribuidora francesa Blaq Out ofereceu o filme Le Petit voleur (1999) de Eric Zonka, no formato VOD (Video On Demand). Como se vê, apesar da potencialidade comercial, o mercado ainda é bastante incipiente. De qualquer forma, o impacto da pirataria e de outras formas de distribuição digital já atingem o mercado brasileiro: edições "especiais", "do colecionador" ou limitadas de títulos em DVD, no Brasil, ou não são lançadas ou demoram meses para sê-lo. Resta saber se a idéia aventada por Martin Scorcese – e que move muitos colecionadores – de que colecionar DVDs guarda semelhanças ao gesto do bibliófilo de colecionar livros, ainda tenha seu espaço no universo digital.
Links
- YouTube
- Creative Zen (players de vídeo compatível com o Amazon Unbox)
- Amazon Unbox
- Apple iTunes/iPod
- Serviço de venda de filmes da iTunes Store
- Blaq Out
Alcebiades Diniz Miguel
UPDATE: O iTunes Store funciona apenas em alguns países – o Brasil não é um deles – e o serviço de venda de filmes longa-metragem só está disponível, por ora, nos EUA.