quarta-feira, junho 21, 2006
DVDs de Arte no Brasil – o Caso Magnus Opus
Nesse contexto, os chamados “filmes de arte” acabam sendo comercializados por distribuidoras que se especializam em tais títulos. Os paradigmas – em quantidade de títulos e qualidade de material – são empresas como as norte-americanas Criterion, Milestone e Kino Video, além das européias bfi e Eureka/MoC (Inglaterra), Blaq Out e Carlotta (França), Raro Video (Itália) e Asmik Ace (Japão). Tais distribuidoras buscam ter como norte orientador um forte conceito de qualidade: da criteriosa escolha dos títulos ao acabamento gráfico e visual de cada edição; da seleção das cópias – em geral, restauradas, quando não melhoradas pelas próprias distribuidoras – à escolha de scholars para escrever ensaios críticos inéditos acerca dos filmes lançados; dos ricos menus e opções de autoração aos inúmeros extras; dos sítios na Web, sempre atualizados, à ampla distribuição. Todas essas distribuidoras cobram um preço mais alto por suas produções, mas os prováveis compradores, consumidores exigentes que apreciam filmes clássicos, raros e “cults” e que vasculham o mundo em busca desses filmes – não se importam em pagar mais sabendo que o produto vale o preço cobrado desde a capa até cada frame contido no DVD. É com esse comprador que tais distribuidoras contam.
No Brasil, o início do novo milênio marcou a entrada no mercado de algumas empresas buscando essa fatia pequena, mas de liquidez certa. Uma das pioneiras – ao lado da Continental – foi a Magnus Opus, com sua proposta de catálogo diferenciado, que traria ao consumidor brasileiro títulos da vanguarda do cinema, com ênfase nas cinematografias européia e japonesa e no cinema independente norte-americano, completamente diferente da média, mesmo dos clássicos que a Continental costumava lançar. Diretores como Yasujiro Ozu, Robert Bresson, Benjamin Christensen, Jean Epstein, George Franju, Carl Dreyer, Ray Harryhausen e Paul Leni, cuja maior parte ou totalidade das obras permanecia inédita no Brasil, finalmente despontaram por aqui. Uma sucessão de lançamentos de tirar o fôlego atraiu os cinéfilos mais exigentes e refinados, que precisavam importar – pagando taxas e valores elevados, arriscando nada receber, dependendo do canal de distribuição escolhido – seus preciosos DVDs, podiam agora ter acesso, no Brasil, a filmes raros e desconhecidos. A Magnus Opus seguia de perto os modelos citados, e parecia que o sonho de uma boa distribuidora de filmes de arte brasileira materializava-se.
Mas a verdade é que nem tudo é o que parece: uma série de tropeços colocou em questão não a bem cuidada seleção de lançamentos da Magnus, mas sua capacidade de produzir DVDs à altura dos títulos anunciados. As primeiras caixas, Tour de France e Um olhar japonês, apesar do design de capa e embalagem de qualidade duvidosa (como os da maioria dos DVDs brasileiros) apresentavam uma prensagem de boa qualidade. O padrão começou a cair com O horror silencioso: uma leva de cópias do DVD O gabinete das figuras de cera (Wachsfigurenkabinett, 1924) chegou às lojas sem o prometido encarte com análise crítica. A qualidade de codificação de Sangue de pantera (Cat People, 1942), muito aquém do esperado, provocou reclamações generalizadas, como a do crítico Inácio Araújo em sua seleção para o sítio da 2001. Os problemas, contudo, não foram minimizados nos novos lançamentos. A primeira série do DVD O horror vem do espaço (Fiend without a Face, 1958) chegou com um problema de codificação grave nos primeiros minutos de filme, truncando-o. As promissoras coleções de curtas-metragens Cinema Avant-garde e Animazing estão repletas de erros que vão do mais simples ao gravíssimo: erros de digitação e revisão (mesmo nos títulos dos filmes), passando por erros de interface e navegação dos DVDs (não existe, facilmente identificada, uma opção para que os filmes toquem em seqüência, impedindo irritantes idas e vindas até o menu principal) até problemas de codificação que resultam em filmes truncados. O pior foi o caso do volume cinco da série Animazing, com preciosidades de Jiri Trnka e George Pal: a capa anuncia um DVD duplo, que se revela um DVD simples. O longa-metragem – igualmente anunciado – O imperador e o rouxinol (The Emperor’s Nightingale, 1949) não consta do DVD, que ainda possui uma quantidade assustadora de erros de codificação. Essa sucessão de desastres fez a 2001 recolher todas as cópias desse lançamento a venda e para locação. O pior problema são os erros de codificação, materializados de diversas formas: artefatos (surgimento de feios blocos uniformes de pixels, os pontos que compõem a imagem na tela da televisão), truncamento do filme com imagem congelada, tela inicial ignorando comandos ou player não reconhecendo a mídia inserida. O retrato pouco simpático da Magnus para o público é completado por um sítio na Net raramente atualizado e uma distribuição esporádica e irregular.
Nem tudo, contudo, está perdido. É especialmente louvável a iniciativa da Magnus em procurar historiadores do cinema para comentar os filmes em versões com áudio e escrever seus encartes e notas internas sobre os filmes (O gabinete das figuras de cera, O homem que ri, Zaroff – Caçador de vidas, Monstros, Sangue de pantera, Titanic); nisto seguindo o bom exemplo das melhores distribuidoras européias e norte-americanas dos DVDs de filmes de arte, como a Criterion e a RaroVideo – esta chega a publicar, como encarte, livretos de críticos e especialistas com até quarenta páginas. Muitos lançamentos da Magnus também possuem a melhor qualidade de cópia disponível e boa prensagem: filmes da caixa Dreyer, como Mikael (idem, 1924), estão impecáveis, o mesmo valendo para o recente Diário de uma garota perdida (Tagebuch Einer Verlorenen, 1929). Esses lançamentos indicam o caminho que a Magnus Opus deveria seguir sempre, pois se é verdade que até grandes distribuidoras lançam DVDs defeituosos, também é verdade que muitas aprendem com os próprios erros, aprendizado que se reflete em posteriores lançamentos.
Links:
Asmik Ace
Blaq Out
British Film Institute (bfi)
Carlotta Films
Criterion
Eureka/Masters of Cinema
Kino Video
Magnus Opus
Milestone
RaroVideo
Alcebiades Diniz Miguel
Update: Recentemente, um representante da Magnus Opus entrou em contato com os editores deste blog questionando algumas de nossas impressões e o fato de não termos consultado a empresa para os devidos esclarecimentos. Não somos, contudo, jornalistas atrás dos fatos “objetivos”, mas cinéfilos apaixonados, exercendo nosso direito à crítica dos DVDs que consumimos. Não acreditamos que, para isso, sejam necessários profundos conhecimentos em autoração ou design digital.
Tampouco acreditamos que seja preciso, antes de formular nossas críticas, consultar as empresas que colocam os discos no mercado para saber por que tal ou qual DVD não nos satisfez. Se somos bons o bastante para consumir esses produtos, somos igualmente bons para dizer quais nos satisfizeram, e quais não nos satisfizeram. É simples assim. Se por ventura atribuímos, injustamente, à Magnus Opus, a responsabilidade por erros cometidos por outras empresas com as quais ela trabalha, é porque o imprimatur final é do selo, que nos vende o pacote com tudo o que entendemos, bem ou mal, por "prensagem", "acabamento" e "decodificação".
Reafirmamos que o design das capas da Magnus Opus – design que inclui as embalagens de carregação –, tenta atender simultaneamente as exigências de um público cult e as de uma empresa comercial: barato, mas com um passável ar de sofisticação. Não chega a ser tosco como tantas capas de DVDs de filmes clássicos produzidos pela Continental ou pela Classicline, mas está longe das soluções gráficas de uma Criterion, de uma RaroVideo, de uma Carlotta. A Magnus Opus vai tentando superar, com criatividade, o design pobre de outros selos independentes, e às vezes obtém sucesso, como no caso das caixas O Horror Silencioso e Cinema Fantástico.
Já os “erros de manuseio”, que fazem faltar encartes e discos prometidos nos pacotes comercializados, erros humanos que podem ocorrer a qualquer empresa, ao se repetirem continuamente fazem com que o colecionador desanime, sendo esse um consumidor bem mais exigente que o normal consumidor de DVDs. O cinéfilo não costuma reclamar sentado numa poltrona, criticando preguiçosamente: ele não apenas exige a troca do produto, como também deixa de comprar discos do selo, com arroubos de raiva, e medo de frustrar-se novamente. Quando o disco apresenta defeito, o cinéfilo tampouco se interessa em saber se o problema é de fabricação (colagem e prensagem da glass master) ou de autoração: a fruição da imagem está perdida, o prazer da possessão foi estragado, nem que seja por um único frame.
Não se pode perdoar, tampouco, a constância de erros de digitação e revisão, já que não faltam bons profissionais na área, bastando contratá-los. É um fato conhecido por todos os cinéfilos (que geralmente possuem mais de um aparelho) que os DVDs players não apresentam o mesmo padrão de programação, de modo que às vezes um DVD roda bem numa máquina e não em outra de marca ou modelo diferente, mas isso raramente ocorre no mercado nacional: um DVD produzido aqui deve ser capaz de rodar em todos os aparelhos nacionais – e aqueles cinéfilos que importam seus discos têm geralmente o cuidado de importar também seus aparelhos.
É verdade que a distribuição falha e irregular dos produtos dos selos independentes não é apenas responsabilidade das distribuidoras, mas também das lojas, por desacordos comerciais entre as partes e volatilidade do mercado. Mas nada disso interessa ao consumidor. O catálogo da Magnus Opus possui 63 títulos e em 12 deles ocorreram “problemas”: uma porcentagem de 20% de discos problemáticos parece-nos muito elevada.
As empresas independentes devem aprender a ouvir as críticas dos cinéfilos, reconhecendo seus problemas e não descartá-las como “meias-verdades” e “equívocos”. Nossas observações mabusianas não pretendem ter a “objetividade” das reportagens dos jornalistas, especialmente daqueles amaciados por explicações e brindes das empresas. Como já afirmamos, não somos jornalistas, mas cinéfilos. Nossa causa não é a “verdade”, mas a imagem mais perfeita, e sempre que tentarem vender-nos gato por lebre, estaremos aqui reclamando – e esse é o nosso direito de consumidores.
Luiz Nazario
Update 2: Sobre os produtos com defeito – que existem em qualquer processo de produção industrial – e os clientes que os compraram: jogar o ônus sobre o comprador é uma atitude pouco inteligente. Os sítios das empresas na Internet poderiam servir para isso: uma janela pop-up informaria aos compradores sobre eventuais defeitos constatados nos DVDs já lançados, com os procedimentos para a troca dos mesmos. Isto demonstraria que a empresa está preocupada com seus clientes, e que não deseja que se sintam lesados. Uma atitude como essa seria a indicação segura de um diálogo entre a empresa que se quer cult e seus clientes cinéfilos ou outros: diálogo inteligente, respeitoso e coerente.
Alcebiades Diniz Miguel
segunda-feira, junho 19, 2006
Títulos em formato HD-DVD chegam ao Brasil
Enquanto isso, a Sony lançou nos EUA os primeiros computadores PC – a marca tradicional da Sony, os VAIO – equipados com gravadores de BRDs (Blu-ray Discs). São dois modelos, um desktop e um espantoso notebook com capacidade de processamento e armazenamento que garantem o uso, visualização e manipulação de vídeos em alta definição, ideais para a nova mídia. À diferença da Toshiba, que investe inicialmente em players para um público doméstico, a Sony prefere ter como consumidor de primeira hora profissionais – da área de vídeo, sem dúvida – seduzidos pela capacidade de gravação dos BRDs.
Links:
- www.laserland.com.br
- Players da Toshiba
- Resenha (em inglês) do novo notebook da Sony com gravador de BRD
- Resenha (em inglês) do novo desktop da Sony com gravador de BRD
Alcebiades Diniz Miguel
quarta-feira, junho 14, 2006
Raio Azul: A Próxima Geração de DVDs está às Portas
Contudo, com a difusão de formatos e aparelhos de TV de alta resolução (HD, ou High Definition), uma espécie de segunda vinda dos DVDs surge no horizonte: trata-se dos aparatos e mídias que utilizam uma raio laser de cor azul-violeta, empregando um comprimento de onda de 405 nm, o que garantiria a possibilidade de gravar até 50 gigabytes de dados em discos de camada dupla. Essa capacidade de armazenamento, imensamente superior àquela dos DVDs atuais, possibilitará a gravação de filmes complexos em altíssima resolução, com imagem e som de qualidade cinematográfica; ou o armazenamento de toda a produção fílmica, restaurada, de um Dreyer ou Hitchcock em um ou dois discos. Além disso, os discos no novo formato trarão novas formas de interatividade, inclusive com o emprego de linguagens de programação bem mais sofisticadas – Java e Extensible Markup Language (XML) – para a autoração de conteúdo, algo que vai muito além da simplória forma de criação de conteúdo nos DVDs atuais, com seus botões fixos e menus em loop. Mas, como em casos passados do estabelecimento de outros padrões na indústria audiovisual, há uma disputa feroz em torno de duas “abordagens” para as mídias/equipamentos que utilizem o “raio azul”: o Blu-Ray Disc (proposto pela Sony, reúne empresas de vanguarda no setor tecnológico, como Apple Computer e HP, além dos estúdios Disney, Twentieth Century Fox e Warner) e o HD DVD (promovido pela Toshiba, Nec e Sanyo, tendo o apoio das poderosas Microsoft e Intel, e de estúdios como Paramount e Universal, além da Warner, que aparentemente apóia os dois formatos). As diferenças são basicamente entre capacidade de armazenamento (um Blu-Ray Disc de camada simples teria 25 gigabytes, enquanto um disco semelhante no formato HD DVD teria 15 gigabytes), mas a guerra de padrões está apenas começando, uma vez que os principais adversários (Sony de um lado e Toshiba de outro) já anunciam para breve o lançamento dos primeiros tocadores e gravadores utilizando esses formatos. Vários filmes também foram anunciados, indicando que a briga será longa.
Correndo por fora está o Enhanced Versatile Disc ou EVD, lançado pelo governo chinês em 2003, como forma de driblar os custos de utilização das tecnologias de codificação e proteção de dados usuais em DVDs (como Macrovision e MPEG-2). O EVD, como os outros mencionados formatos de nova geração aceitam formatos HD. Isso ocorre graças à ferramenta de codificação utilizada, chamada VP6 da On2 Technologies, mais barata e eficaz que aquela empregada em DVDs. Embora a oferta de filmes lançados nesse formato seja quase nula – quatro apenas, incluindo Herói e Clã das Adagas Voadoras – a opção chinesa abre caminho para soluções locais, mais baratas, como o Forward Versatile Disc (FVD), comercializado em Taiwan.
Links:
http://www.bluraydisc.com/
http://www.hddvdprg.com/
http://www.microsoft.com/windows/windowsmedia/musicandvideo/hddvd/default.aspx
A Explosão do DVD no Brasil
Em 1999, conversando com Fred Botelho, da 2001 Vídeo, afirmei que o DVD era o futuro do cinema, e que se fosse esperto, deveria apostar na venda de DVDs, pois os VHS estavam com os dias contados. É possível que tenha me ouvido, pois logo a 2001, investindo na comercialização de DVDs, cresceu rapidamente e multiplicou suas lojas. Como depois constatou o presidente da União Brasileira de Vídeo, Wilson Cabral (Jornal do Vídeo, novembro de 2003), o mercado do DVD consolidou-se no Brasil em 2002, com quase 4.990.000 unidades vendidas no ano e uma projeção de venda calculada em 7.800.000 para 2003: um crescimento anual de 40%...
Diferentemente do que ocorria com o VHS, que só vendia no varejo títulos para o público infantil, com o DVD o consumidor adulto passou a desejar possuir os filmes em live action: o colecionismo cinematográfico difundiu-se na classe média alta, e o DVD firmou-se como um dos principais “presentes de Natal”. Finalmente, com a estabilidade econômica, as vendas a crédito levaram o consumo dos aparelhos de DVD até as classes B e C, incrementando ainda mais o mercado varejista dos discos versáteis digitais. Essa explosão inundou as lojas e, em seguida, até os jornaleiros com um mar de títulos. A quantidade, dizia Karl Marx, gera a qualidade, e assim o mercado brasileiro assistiu ao surgimento de empresas diferenciadas que passaram a apostar em filmes clássicos, de arte, ensaio, vanguarda e cult.
Para citar apenas alguns exemplos de selos e lançamentos, depois da Continental (que lançou as caixas Expressionismo, Cinema Revolucionário Russo, Fritz Lang, Akira Kurosawa, Andrei Tarkovski, entre outras) e da Versátil (que lançou as coleções Federico Fellini, Roberto Rosselini, Franco Zeffirelli, Michelangelo Antonioni, Vittorio De Sica, Ingmar Bergman, etc.), o selo independente Magnus Opus apresentou a caixa Tour de France, com clássicos do cinema francês; O Horror Silencioso, com as fascinantes fantasias expressionistas O gabinete das figuras de cera e O homem que ri, de Paul Leni, e a intrigante produção sueca Häxan – A feitiçaria através dos tempos, do dinamarquês Benjamin Christensen; Cinema Fantástico, incluindo três cults do horror: Monstros, de Tod Browning, Zaroff – Caçador de vidas, de Ernest Schoedsack e Merian C. Cooper, e Sangue de pantera, de Jacques Tourneur; a caixa Carl Dreyer, com sete obras deste diretor; Cinema Avant-Gard e Animazing, reunindo diversas preciosidades do cinema experimental e de animação; a Classicline inundou o mercado com filmes antigos em edições baratas, às vezes resgatando pérolas, como Primavera, de Robert Z. Leonard; a Editora NBO lançou a preço de banana obras representativas do cinema inglês, incluindo Farsa diabólica, de Bryan Forbes, e clássicos dourados de Michael Powell, Emeric Pressburger e David Lean; e entrando no mercado de arte em grande estilo, superando a Magnus Opus em seu campo, a distribuidora Aurora está lançando uma série bem cuidada de maravilhosos filmes noir, como Silêncio nas trevas, de Robert Siodmak. No cinema, o futuro do passado é cada vez mais promissor para os verdadeiros cinéfilos.
Links:
http://www.dvdcontinental.com.br/
http://www.dvdversatil.com.br/
http://www.magnusopusdvd.com.br/
http://www.auroradvd.com.br/
http://www.laserland.com.br/
http://www.2001video.com.br/
Luiz Nazario