Delicado poema visual, que não cansamos de ver e rever, a animação Lilium Urbanus apresenta a metrópole como nossa segunda natureza, revelando a beleza selvagem das luzes da cidade, expressando o prazer de se viver no caos urbano. É uma visão moderna que revigora nosso amor à vida moderna, onde a cultura floresce em toda parte, com a civilização atingindo o auge de seu esplendor. Lilium Urbanus dá uma forma encantadora à visão existencialista do mundo, pois sua simbolização da metrópole é oposta à simbolização depressiva que encontramos nos animes japoneses, como Metrópolis; nas animações e filmes norte-americanos baseados em quadrinhos – caso do recente Watchmen, filme de Zack Snyder que transporta com fidelidade extrema a HQ de Alan Moore e Dave Gibbons ao meio cinemático –, incapazes de superar a visão apocalíptica do futuro urbano lançada no épico protonazista Metrópolis, de Fritz Lang; e nas animações brasileiras, que seguem o mesmo caminho regressivo da rejeição moderna da modernidade. Esse é o caso de duas recentes – e belíssimas – animações realizadas em São Paulo, a maior metrópole do Brasil: Tyger, onde a vida torpe que os homens levam na grande cidade é desestruturada por um Tigre gigantesco que percorre a Avenida Paulista, passa pelo Estádio do Pacaembu e chega triunfante ao Pico do Jaraguá, transformando a população urbana nos “animais totêmicos” que jazem em suas mesquinhas almas reprimidas; e Pajerama, onde um indiozinho da Amazônia vê-se perseguido pelo asfalto que invade a selva, juncando-a de semáforos, pontilhões e arranha-céus em crescimento avassalador, destruindo a vida selvagem e anunciando o apocalipse da “verdadeira humanidade” que se concentra na oca. Mergulhando na nostalgia do “último silvícola” e denegando os valores da vida urbana, simbolizados pela “metrópole degenerada”, a animação brasileira, hoje formalmente à altura da melhor animação internacional, não deu ainda o salto decisivo que transcende o culto ao primitivo em direção à verdadeira modernidade.
Luiz Nazario