quinta-feira, abril 17, 2008

Visionário Anime Finalmente Lançado no Brasil



Desde Metropolis (idem, 1928), de Fritz Lang, a vocação visionária da ficção científica no cinema centrou-se no apocalipse de grandes, sinistras, decadentes e corrompidas cidades, nas quais a tecnologia contribui decisivamente para a universalização da barbárie. Nessa mesma tradição, Blade Runner, o Caçador de Andróides (Blade Runner, 1982) e o recente Eu sou a Lenda (I am Legend, 2007), de Francis Lawrence, retrabalham visual e narrativamente o tema, oferecendo a visão fascinante de cidades futuristas tão devastadas quanto seus habitantes. Nesse sentido, não é exagerado afirmar que o animador e quadrinista japonês Katsuhiro Otomo tenha a consciência apocalíptica mais clara dentro no cinema dos dias de hoje. toda sua obra baseia-se na visão da destruição em tom superlativo: não é por acaso que em sua refilmagem muito pessoal de Metropolis, filme infelizmente prejudicado pela estereotipada narrativa derivada da tradição dos mangás, a melhor seqüência seja a da destruição da torre central da cidade, evocação/reconstrução da torre imaginada pela cenografia expressionista no filme de Lang, ao som de "I Can't Stop Loving You" de Ray Charles.

Nesse sentido, a obra-prima de Otomo é a animação Akira (idem, 1988), adaptação animada de uma série de mangás escritos e desenhados pelo próprio Otomo. Obra de produção intrincada - consistindo de 2212 tomadas a partir de 160.000 desenhos, uma quantidade 2 a 3 vezes maior que a usual, usando 327 cores diferentes sendo que mais de 50 delas foram criadas especialmente para o filme - foi a mais cara animação produzida no Japão até então. O resultado é uma sucessão de imagens que se gravam na retina pela força de seu impacto, desde as perseguições de moto até a apocalíptica destruição de NeoTokyo, cidade surgida dos destroços da antiga Tóquio e destinada a uma nova devastação. A movimentada trama, centrada nas lutas entre gangues e grupos políticos em torno de um poderoso grupo de paranormais criados para serem armas vivas nas mãos de organizações militares - derivada do universo de Brian de Palma e David Cronenberg - alcança os limites do delírio graças ao traço de Otomo, superior ao estilo tradicional dos animês, e à sua cuidadosa direção. Akira revelou ao grande público os estilos típicos de animação e quadrinhos de massa no Oriente, os mangás e animês de temática adulta, que logo chegariam à televisão. Filmes de ficção científica como a trilogia Matrix teriam forte inspiração no imaginário de Otomo. Não por acaso, a Warner já anunciou uma refilmagem live action de Akira a ser lançada como dois longas-metragens, superprodução que será dirigida pelo estreante Ruairi Robinson.

A edição brasileira do DVD, da Focus Filmes, está calcada na edição norte-americana da Geneon/Pioneer. Trata-se da versão restaurada, lançada em 2001, que custou cerca de US$ 1 milhão, resgatando o universo apocalíptico de Otomo de forma suntuosa. É possível encontrar outras animações desse criador japonês fora de catálogo no Brasil em lojas virtuais: Memories (idem, 1995), coletânea de três curtas animados apresentada por Otomo, que dirige um deles (os outros dois são dirigidos por Koji Morimoto e Tensai Okamura). Trata-se de uma pequena obra-prima da animação, que merecia ser relançada junto com Akira (a versão americana, que não está esgotada, pode ser adquirida na Amazon).

quinta-feira, abril 10, 2008

O monstro da Disney


Recentemente, o blog Monster Brains trouxe rico material visual sobre a composição do monstro para o filme Planeta Proibido (Forbidden Planet, 1956), dirigido por Fred M. Wilcox. Nessa ficção científica que emprega elementos derivados da peça A tempestade , de William Shakespeare, uma equipe de resgate, enviada ao ignoto planeta Altair IV com a missão de obter informações sobre a desaparecida expedição Bellerophon, encontra o Dr. Edward Morbius e sua filha, Altaira, além de um terrível monstro completamente invisível a não ser nos momentos em que se choca, em sua fúria, com uma cerca eletrificada. A intrigante trama tornar-se-ia lugar-comum de muitos filmes posteriores de ficção científica, enquanto as aparições do monstro surpreendem pela originalidade e pela forte carga simbólica de uma criatura de design tão simples. A MGM, produtora responsável pelo filme, contratou para criar o monstro um dos chefes de animação da Disney, Joshua Meador e uma equipe completa de animação - a primeira vez que a Disney permitia que seus animadores fossem contratados por outro estúdio. O resultado visual é impressionante, pois há desde o design futurista mas weird de robôs e maquinaria até intensas e complexas mesclas de animação e filme em diversos momentos da trama. Contudo, as aparições do misterioso monstro ocupam, nesse sentido, um lugar especial.

Meador e sua equipe utilizaram um novo approach para animar seu monstro: ao invés de desenharem, seguindo a técnica usual, a criatura em folhas de acetato transparentes que seriam projetadas contra um fundo, e animadas, optaram por desenhá-la em grafite, quadro a quadro, em papel. Cada um dos desenhos, posteriormente, era fotografado com filmes de altíssimo contraste. A imagem negativa capturada foi então utilizada para composição por sobre o positivo original do filme. O resultado ainda é assustador e sugestivo: o monstro é instável e imaterial, mas feroz e disforme, a materialização perfeita de instintos violentos e primitivos reprimidos. Abaixo, podemos ver algumas das imagens originais utilizadas para sua criação do monstro:


A poderosa sugestão que a criatura despertava em seu formato minimalista não deixaria indiferentes outros designers que tentaram atualizar a proposta com elementos medonhos ainda mais incisivos ou naturalizar a imagem com elementos realistas e concretos. Abaixo, temos respectivamente uma suposta arte para a refilmagem de Forbbiden Planet e a tentativa do designer Tony McVey de dotar a criatura de um aspecto mais concreto e anatomicamente correto:


Nota: Forbbiden Planet é um filme que ainda não foi lançado no Brasil, mas a excelente edição dupla lançada nos EUA pode ser adquirida pela Amazon.

Alcebiades Diniz Miguel