sexta-feira, dezembro 26, 2008

Mundos Visionários, Animação Visionária


Tim Burton é conhecido pelo universo muito pessoal que cria em cada uma de suas produções, especialmente na sofisticação de animações como O Estranho Mundo de Jack (The Nightmare Before Christmas, 1993) ou Noiva Cadáver (Corpse Bride, 2005). No momento, trabalha em sua versão de Alice in the Wonderland, que terá elementos live-action, stop motion e de animação computadorizada para exibição em 3D. No intervalo desse complexo trabalho que só ficará pronto em 2010, Burton uniu-se a outro adepto de um cinema fantástico calcado no maravilhamento pela imagem – embora dono de uma produção mais modesta e de um imaginário mais estereotipado –, Timur Bekmambetov, para produzir a versão longa-metragem do curta 9, de Shane Acker, indicado ao Oscar da categoria curta de animação em 2006.

A trama de 9 gira em torno de um mundo destruído por algum apocalipse, no qual um pequeno grupo de seres semelhantes a bonescos de pano, com números como nome, lutando contra máquinas gigantescas que se assemelham aos robôs destrutivos da trilogia Matrix. Abaixo, podem ser vistos tanto o curta original quanto o trailer da nova versão.





Alcebiades Diniz Miguel

segunda-feira, dezembro 22, 2008

Boas Festas aos Nossos Leitores



Aos leitores do Mil Olhos..., uma divertida animação natalina de Terry Gillian e o desejo de boas festas.

Alcebiades Diniz Miguel
Luiz Nazario

quinta-feira, dezembro 18, 2008

Novas Versões de Metropolis


Metropolis (Metropolis, Alemanha, 1927), de Fritz Lang, o primeiro filme da história do cinema a ser considerado Patrimônio Universal da Humanidade através de seu registro, no ano de 2000, no “Memory of the World” da UNESCO, ganhou, por ocasião de seus 75 anos, a mais minuciosa restauração digital que um clássico do cinema já mereceu. Este que foi o filme mais caro realizado pelo cinema alemão, custando 50 milhões de marcos (ou atuais 200 milhões de dólares, cf. BEYER, Friedemann. Metropolis. Unesco heut on line, 1º jan. 2002) e empregando 37 mil extras, tinha originalmente 210 minutos. Convencido pelos produtores a reduzir sua duração para o lançamento, que se deu a 10 de janeiro de 1927, em Berlim, Lang editou-o para 153 minutos. Mesmo assim, Metropolis fracassou nas bilheterias e, com o tempo, sua versão original se perdeu, assim como a versão editada por Lang.

Até os anos de 1940, circulava uma versão de 120 minutos editada pela Paramount. Em 1984, Metropolis ganhou uma “restauração” problemática por Giorgio Moroder, com 80 minutos e trilha sonora “pop”, que incluía o hit “Love Kills”, de Freddie Mercury e Moroder, cantada por Mercury. Através de um paciente cotejo de cópias, o crítico Enno Palatas realizou uma restauração mais cuidadosa, mas com apenas 93 minutos. Finalmente, em 2002, a Fundação Murnau revisou as cópias das versões sobreviventes nas diversas cinematecas do mundo; recolheu as melhores seqüências de cada cópia; digitalizou as imagens, devidamente tratadas, numa resolução de 2K, e reeditou Metropolis seguindo as indicações dos cartões de censura, dos 800 stills do filme e também da partitura original, encontrada nos espólios do compositor Gottfried Huppertz (com as anotações das cenas para a sincronia). A trilha original foi gravada pela Orquestra Sinfônica da Rádio de Saarbrücken sob a regência de Berndt Heller, e pode assim ser ouvida novamente pela primeira vez desde a estréia berlinense de 1927. Metropolis possuía agora uma duração de 147 minutos, muito próxima da versão originalmente lançada.

Este meticuloso trabalho, um verdadeiro quebra-cabeças, foi coroado com o relançamento de novas cópias do filme em festivais de cinema e o lançamento do DVD Metropolis no mercado mundial pela Kino on Video, nos EUA, e pela Continental, no Brasil. Mas pouco depois de ser assim longamente montado, o quebra-cabeça foi subitamente desmontado. A Fundação Murnau, que detém os direitos do filme e supervisionou a última e mais perfeita restauração, terá agora que despender mais alguns milhões de euros para realizar uma nova e necessária restauração...

É que, em julho de 2008, foi encontrada em Buenos Aires uma cópia em 16mm da versão de Metropolis editada em 1927 por Lang, e dada como perdida. Adolfo Wilson, da distribuidora Terra, levara a cópia para Buenos Aires em 1928 a fim de exibi-la nos cinemas argentinos. De suas mãos, a cópia passou para as do colecionador Manuel Peña Rodríguez, que, nos anos de 1960, a vendeu ao Fondo Artístico Nacional. Em 1992, a cópia foi parar no Museo del Cine Pablo C. Ducrós Hicke, de Buenos Aires. Sua diretora recém-empossada, Paula Félix-Didier, percebeu que a cópia tinha uma duração maior que as versões que conhecia, e a levou à Alemanha, onde, na redação do jornal Die Zeit, três especialistas da Cinemateca Alemã constataram tratar-se da versão lançada em Berlim. O restaurador Martin Koerber reconheceu cenas perdidas, que esclareciam o papel de alguns protagonistas, como o espião que vigia os passos de Freder, e outras que tornavam mais dramática a salvação das crianças dos trabalhadores (cf. Hallan la única copia completa de “Metrópolis” de Fritz Lang, que se encontraba en Buenos Aires. Ñ. Revista de Cultura, 2 jul. 2008).

Como se esta descoberta não bastasse, foi encontrada no Chile outra cópia da versão original de Metropolis. Depois do golpe de 1973, o então diretor da Cineteca de la Universidad de Chile, Pedro Chaskel, mudou os rótulos de algumas películas para evitar que fossem destruídas pelos militares. Metropolis fora um dos três filmes que inauguraram a Cineteca em 1960, juntamente com O gabinete do Doutor Caligari (1919), de Robert Wiene (cuja cópia logo foi roubada da Cineteca); e Napoleão (1927), de Abel Gance (então projetada em três telas simultâneas). Em 2005, Pedro Chaskel voltou a ser o diretor da Cineteca, e preocupou-se em recuperar 800 películas da Fundación “Imágenes en Movimiento”. Em 2006, quando essas películas, contidas em 2 mil latas, retornaram à Cineteca, esta priorizou a busca por filmes dos chilenos: Helvio Soto, Miguel Littin e Raúl Ruiz (de quem se encontrou o primeiro curta-metragem, La Maleta). O restaurador Luis Horta deparou-se então com uma película rara em 9,5 milímetros, com perfurações no meio, impossível de ser exibida nos projetores atuais (o formato era destinado ao consumo privado e foi substituído pelo de 8 milímetros com a falência da Pathé, que o fabricava). Constatou-se, recentemente, tratar-se de uma versão de Metropolis com 170 minutos, similar à do lançamento de 1927. A película será enviada à Fundação Murnau para análises. Algumas das cenas até hoje nunca vistas de Metropolis da cópia de Buenos Aires podem ser vistas em clipes do You Tube:

1. Deutche Welle, Long lost scenes from Metropolis (1927) / Verschollene Szenen Metropolis (1927), reportagem integral.
2. The German Film Magazine, reportagem em: 8’10’’ – 14’15’’].

Como um complemento a esta nova visitação pelos clipes de Metropolis, recomendamos também um raro momento da arte expressionista registrado no clipe filmado da “Dança da Feiticeira” de Mary Wigman [Mary Wigman’s Witch Dance], cuja coreografia sincopada e enlouquecida marcou o gestual mecânico dos operários robotizados (liderados por Heinrich George), do cientista louco (interpretado por Rudolf Klein-Rogge) e de sua mulher-robô (vivida por Brigitte Helm) no mítico filme de Fritz Lang.

Luiz Nazario

domingo, novembro 09, 2008

O Nevoeiro


Recentemente lançado em DVD, O nevoeiro (The Mist, EUA, 2007, 126’) de Frank Darabont, o mesmo diretor de Um sonho de liberdade e À espera de um milagre, adapta outra obra de Stephen King para as telas. Ao contrário das duas outras adaptações, esta é do gênero horror. Numa pequena cidade do Maine, durante uma tempestade, somos apresentados a David Drayton (Thomas Jane), que pinta, em seu ateliê, um quadro que parece retratar o personagem de Clint Eastwood em Três homens em conflito, uma entre outras homenagens que Darabont faz a filmes que foram sua inspiração, como o Enigma de outro mundo. A eletricidade acaba e somos introduzidos ao resto da família Drayton: a mulher e o filho. Pela janela, os três observam a assustadora tempestade elétrica. Na cena seguinte, uma árvore invade o lar dos Drayton, e quebra a fina camada que os distanciava do horror. Após a tempestade, uma névoa branca parece dirigir-se à cidade. David Drayton, seu filho, e o problemático vizinho Brent Norton (Andre Braugher) precisam ir ao supermercado para reabastecer seus lares. E terminam presos ali dentro, cercados que são pela misteriosa névoa que contém estranhos e mortíferos seres.

O nevoeiro é um filme de baixo orçamento. A liberdade do filme B permitiu ao diretor criar uma obra mais complexa, com várias possibilidades de leitura. Grande fã de filmes clássicos de horror e ficção científica, Darabont volta às suas raízes (ele escreveu A Hora do pesadelo 3, A bolha de 1988 e A Mosca 2), retomando várias características das obras que o marcaram, como o elemento trash. Embora não sejam os protagonistas da história de horror, como seria de se esperar, as criaturas criadas por Gregory Nicotero são curiosas e únicas. Infelizmente, elas foram trabalhadas por computação gráfica, o que diminui a veracidade de seu contato com os atores. Os efeitos especiais podem parecer “fracos” para os fãs do gênero.

O que mais parece interessar ao diretor e roteirista é, como nos filmes de George Romero, o estudo de seus personagens e a elaboração de metáforas (como o próprio Darabont afirmou em entrevistas). É possível enxergar o nevoeiro como a mente humana em seu estado mais “enevoado” ou “cego”, povoada por demônios e crendices, que se tornam mais ameaçadores com o passar do tempo. O filme trabalha esta e outras idéias através do estado de confinamento dos personagens, fazendo aflorar o melhor e pior de suas personalidades. Ilhados no supermercado da cidade, com criaturas do lado de fora, eles são princípios com os quais o diretor tece suas críticas sociais.

O filme difere de outros do gênero pela criação dessa teia social que relaciona os personagens: o único negro no filme, apesar de gozar do status social de juiz, é constantemente hostilizado pelos brancos. Darabont não atenua os conflitos humanos em face do conflito homem-monstro, e sim os intensifica, expondo o modo de pensar e agir de cada um em relação ao outro e a si próprios. Interessante também é que em vez de buscar a solução mais fácil, o diretor dá até aos “vilões” uma dimensão humana, já que estes acreditam realmente estar trabalhando pelo bem comum.

O fim do filme, que difere do conto original de Stephen King, causou fortes reações, tanto negativas quanto positivas, pois explicita a visão de um mundo assustador que questiona o “razoável” e as próprias ações humanas. É um filme sobre a materialização dos “monstros” de uma sociedade decadente. Aquilo que parece arbitrário ou randômico ganha uma assustadora lógica. O nevoeiro visa incomodar o público. Nas palavras de Stephen King, o filme “retrata situações políticas e religiosas atuais”, mostrando a impossibilidade da harmonização de universos e crenças diferentes. Darabont não enxerga nenhuma possibilidade de conciliação. Em seu universo, algo terá que ser destruído ou sacrificado, pois o mundo da fé e o mundo da racionalidade não podem coexistir.

José Ricardo da Costa Miranda Júnior

terça-feira, outubro 28, 2008

Novos Títulos em DVD Fora de Catálogo - Setembro de 2008

FORA DE CATÁLOGO

Distribuidora

007 Permissão para matar - Ultimate Edition (DVD Duplo)

Fox

007 Contra o Homem com a Pistola de Ouro - Ultimate Edition (DVD Duplo)

Fox

007 Contra Octopussy - Ultimate Edition (DVD Duplo)

Imagem

11:14

Califórnia

13 fantasmas

Sony

9º dia

Imagem

A árvore dos tamancos

Versátil

A batalha de Anzio

Sony

A creche do papai

Sony

A ilusão viaja de trem

Versátil

A morte do demônio

Spectra

A patrulha da esperança

Sony

A promessa (2001)

Imagem

Adaptação

Sony

Annie

Sony

Austin Powers – 000, um agente nada secreto

Spectra

Batman Begins (DVD Duplo)

Warner

Bola pra frente

Warner

Cavalgada com o diabo

Imagem

Cidade dos homens - Primeira Temporada

Som Livre

Coleção Bernardo Bertolucci

Versátil

Coleção Martin Scorsese

Warner

Coleção: As crônicas de Nárnia - BBC

Focus

Condenação brutal

Sony

Confissões de uma mente perigosa

Imagem

Coração selvagem

Universal

Dawson s Creek - Primeira Temporada

Sony

Desmundo

Sony

Dispara

Spectra

DOCTV – A selva na selva (DVD-R)

Imagem

DOCTV - Contos da Terra Sagrada (DVD-R)

Log On

DOCTV - Cultura Brasileira - Vol. 1

Log On

DOCTV - Novos Olhares - Vol. 1

Log On

DOCTV – Tocantins - Rio afogado (DVD-R)

Log On

Dragão vermelho

Universal

Escravos do rancor

Versátil

exterminador implacável

Spectra

FIFA fever - Edição.de Colecionador

Focus

Galante e sanguinário

Sony

Guantanamera (Revista + DVD)

Spectra

Harry & Sally - Feitos um para o outro

Fox

He-Man e os mestres – Edição de Colecionador (Lata)

Focus

IMAX - Galápagos

Warner

Lugar nenhuma na África

Califórnia

Madame Satã

Imagem

Magda Tagliaferro - O mundo dentro de um piano

Versátil

Magnólia (1999)

Playarte

Metrópolis (2001) (DVD Duplo)

Sony

Minha vida de cachorro

Spectra

Morango e chocolate

Versátil

No silêncio da noite

Sony

Nunca mais (2002)

Sony

O crime do padre Amaro

Sony

O ilusionista

Focus

O ouro de Nápoles

Versátil

O pássaro das plumas de cristal

Aurora

O talentoso Ripley

Imagem

O último samurai

Warner

Operação Xangai

Spectra

Os Três Patetas - Os ricos riem à toa

Sony

Pão, amor e ciúme

Versátil

Por quem os sinos dobram

Universal

Roma – Primeira Temporada

Warner

Sedução da carne

Versátil

Sem medo de viver

Warner

Spawn, o soldado do inferno

Warner

Studio 54

Imagem

Um amor de Swann

Versátil

Um longo caminho

Sony

Wall Street

Fox

quarta-feira, setembro 24, 2008

Tesouro impresso



A editora italiana Franco Maria Ricci, criação de um bibliófilo apaixonado, destacou-se pela incrível qualidade de seus livros. Não apenas pela seleção de títulos, autores, tradutores e especialistas, mas também pela arte refinada de cada exemplar de coleções como Biblioteca de Babel (com introdução de Jorge Luis Borges) ou mesmo da revista bimestral FMR Magazine. O que se percebe em cada lançamento da FMR é sua tentativa de recuperar o livro como objeto único, fazendo da fabricação desses objetos mágicos uma arte complexa, riquíssima e essencial. Bem antes do assalto digital à escrita e à impressão, aquela editora já percebia que a transformação gradativa dos livros em objetos de escasso valor e durabilidade abria caminho para uma civilização centrada nos prazeres bárbaros do audiovisual.

Um exemplo da nova mentalidade bárbara, mascarada de modernidade, foi dado recentemente por uma publicidade – que nos foi enviada por Lyslei Nascimento – das Casas Pernambucanas para sua Coleção Primavera Verão 2008: “A casa moderna não esconde livros no armário. Ótimos como peças de decoração, livros são uma boa dica para servir de base para vasos e bibelôs espalhados por todos os cômodos. Misturar grafismos e estampas é um segredo que faz a diferença. A graça da decoração está justamente na ousadia. Cortinas leves e esvoaçantes, daquelas que dançam ao vento”. E a imagem do anúncio não deixa qualquer dúvida de que os livros hoje não passam, para o homem médio comum, de meros adornos ou, melhor dizendo, de ótimas peças de decoração.


Radicalizando a posição contrária ao abandono do universo escrito e da materialidade do livro (enquanto objeto de desejo e não enquanto objeto de decoração), a FMR acaba de lançar uma edição preciosa em todos os sentidos: trata-se do livro Michelangelo. La dotta mano. São apenas 99 exemplares (os primeiros 33 já foram todos vendidos) custando cada um 100.000 euros (R$ 265.000,00). O preço incrível justifica-se pelo valor de cada elemento dessa obra de arte total (Gesamtkunswerk) mais ou menos portátil: pesando 24 quilos, o livro traz já na capa uma escultura, que reproduz a Madonna della Scala realizada em mármore carrara. Quase tudo no livro é produzido artesanalmente, do veludo da encadernação ao papel sem ácidos que pode durar 500 anos (essa é a garantia dada pela editora). O texto é a biografia do artista escrita por Vasari, ilustrada por fotografias em preto e branco de Aurelio Amendola.

O livro marca o lançamento de uma nova coleção da editora, a Bookwonderful. O nome é uma homenagem à idéia de Thomas James Cobden-Sanderson, amigo e colaborador de um dos heróis da FMR, William Morris, editor da famosa Kelmscott Press, de criar uma editora que reunisse artistas, livreiros e autores em uma espécie de comunidade de trabalho. Os próximos livros da série incluem uma biografia de Catarina de Médicis escrita à mão e restrita a apenas 5 exemplares. O tour de force dessa obra artesanal obrigou a FMR a estimular pesquisas sobre a arte da caligrafia e da miniatura e financiar oficinas desse ofício especialmente para a confecção do livro. Jóias em todos os sentidos, esses volumes são também paralelepípedos lançados pela última elite culta contra os muros de aço e vidro que as massas aburguesadas erguem em todo o planeta para celebrar o fim do humanismo.

Mais informações:

- Esgota-se a primeira tiragem do livro mais caro do mundo, na Folha de S. Paulo.
- O excelente site da FMR traz um hot site especial sobre o lançamento, muito bem feito e minucioso nos detalhes.

Alcebiades Diniz Miguel/Luiz Nazario

quarta-feira, setembro 10, 2008

Epitáfios para uma Biblioteca

I

Em São Paulo, durante anos freqüentei a Biblioteca Jenny Klabin do Museu Lasar Segall, minha biblioteca ideal por diversos motivos: a simpatia das bibliotecárias; a localização do museu próxima à minha casa; a atmosfera acolhedora de uma casa-museu particular; a presença de um bar para refrigerar as pausas no calor ou esquentá-las no inverno; as programações de cinema e as exposições de artes plásticas, que combinavam perfeitamente com uma tarde de leitura; a excelente coleção especializada em cinema, teatro e fotografia.

Comecei a atacar este acervo como o personagem do Autodidata, em A Náusea, de Sartre: um dos meus objetivos de então era ler todas as grandes peças teatrais; decidi que um bom método era seguir a ordem alfabética dos grandes autores: comecei com Arrabal, Artaud, Beckett, Brecht, Camus, Capek, Eliot, Genet, chegando até Ibsen e Ionesco, pulando alguns autores enjoativos ou embaralhando um pouco a ordem que me impusera quando me caíam sob os olhos peças que me arrebatavam desde a primeira página e que eu não conseguia parar de ler; como o drama metafísico dos Seis personagens à procura de um autor, de Pirandello ou o monólogo para duas atrizes A mais forte, de Strindberg.

Foi nessa Biblioteca que descobri o teatro do absurdo, que marcou minha adolescência com sua filosofia niilista, da qual só me curei, mais tarde, com a absorção de altas doses de existencialismo. E, passada a mania da ordem alfabética, devorei toda a obra teatral de Tennessee Williams, Nelson Rodrigues e Jean-Paul Sartre. E apenas ali, na Biblioteca Jenny Klabin, encontrei a única peça que Simone de Beauvoir escreveu, Les bouches inutiles (As bocas inúteis), levada ao palco, na época, por Jean Genet. Aliás, uma bela peça, ao contrário do que diziam os críticos... Ler teatro é delicioso, porque os textos são limitados ao tempo de palco e os diálogos espaçados podem ser sorvidos com maior rapidez que a mistura de diálogos e descrições nos romances.

Havia tardes sufocantes na minha juventude, especialmente nos fins de semana, quando São Paulo parecia-me a metrópole mais triste e feia do mundo. Nestas tardes de tédio espesso, sequer interrompido por um telefonema amigo ou pelo lançamento de um filme, eu me refugiava na Biblioteca Jenny Klabin para folhear as mais novas revistas de cinema, sonhando com os filmes “malditos” que jamais veria, com as retrospectivas tentadoras que inundavam as cinematecas americanas e européias. Espiava também todas as revistas de fotografia, até que as imagens de Goedlen, Lartigue, Adams, Cartier-Bresson, Cecil Beaton, Richard Avedon, Diana Arbus ou Anne Leibovicz se me tornaram familiares.

Depois que meu primeiro livro, O cinema industrial americano, escrito de memória, sem consultar nenhum livro – causa de muitos erros – fez certo sucesso, a Editora Brasiliense encomendou-me uma pequena biografia de Pier Paolo Pasolini para a coleção Encanto Radical. De Pasolini, havia visto apenas os filmes: ignorava sua literatura. Foi na Biblioteca Jenny Klabin que li então tudo o que existia de ou sobre Pasolini - dezenas de livros e revistas, em italiano, francês, inglês, espanhol. Como muitas coleções não estavam completas, gastei, importando a literatura de Pasolini, muito mais do que recebi em “direitos autorais”. Muitas vezes, no Brasil, um autor se pergunta por que continua a escrever. Para o bem ou para o mal, ele não pode deixar de fazê-lo: um escritor está condenado a escrever. No final, sempre sobra alguma coisa: conheci fãs de Pasolini que se tornaram meus amigos; e fãs de Pasolini que se tornaram meus inimigos; fãs que me revelaram suas vidas pasolinianas e fãs que se decepcionaram com minha vida não-pasoliniana... O livro esgotou três edições sucessivas graças a uma resenha positiva na Veja e fui convidado por Caio Túlio Costa a integrar a equipe de críticos da Folha de S. Paulo.

A Biblioteca Jenny Klabin continuou a ser minha fonte durante a redação de minhas críticas: primeiro, para a Folha de S. Paulo; depois, para o Estado de S. Paulo e Diário do Grande ABC; logo para as revistas Set, A-Z, HV, Elle e Atlante; finalmente, para a Isto É, onde assinei por três anos a página de cinema. Eu passava no Segall tardes inteiras folheando léxicos, enciclopédias e histórias do cinema à procura de uma data, um título, um nome de ator ou diretor. A geração IMDB não faz idéia da dificuldade que era escrever sobre cinema antes dos Bancos de Dados da Internet... Eu cruzava, muitas vezes, ali na Biblioteca, com outros críticos em apuros, especialmente com a saudosa Pola Vartuck.

Lembro-me das duras tarefas de que eu encarregava as dedicadas bibliotecárias, que vinham sempre em meu auxílio. Elas consistiam, por exemplo, em encontrar uma boa fotografia do filme A Deusa Mothra para ilustrar um ensaio que eu estava escrevendo sobre Inoshiro Honda. E quanto mais “impossíveis” essas missões, mais encarniçadamente as empreendíamos. Procurávamos uma agulha num palheiro, mas as buscas absurdas eram sempre coroadas de êxito, pois havia algo de mágico na Biblioteca Jenny Klabin: apesar de todas as falhas nas suas coleções, sempre encontrávamos ali o que procurávamos, ou pelo menos o rastro do que procurávamos. Creio que isso se explica logicamente pelo fato de que a maioria dos livros não passa de um eco de outros livros, e poucos são os livros realmente importantes e básicos – as fontes.

Uma boa biblioteca é aquela que possui as fontes. A Biblioteca Jenny Klabin era a melhor no Brasil (e creio que na América Latina) no campo do cinema, do teatro e da fotografia porque seu núcleo fora solidamente formado por um crítico brilhante e um colecionador apaixonado: Anathol Rosenfeld. O que decide da qualidade de uma biblioteca é essa base de inteligência e paixão, que consegue reunir o melhor do que se editou em determinada época. A Biblioteca Jenny Klabin não satisfazia mais o pesquisador contemporâneo, obcecado pela totalidade do conhecimento produzido. A distância entre seu núcleo sólido e as aquisições recentes alargou-se, ao longo dos anos, com a falta de verba, por um lado, e a incontrolável expansão editorial, por outro. Os freqüentadores do Museu Segall às vezes diminuíam essa distância com doações (doei à Biblioteca, por exemplo, todos os meus livros sobre o cinema russo quando decidi especializar-me em cinema alemão; e os textos que o grande animador Norman MacLaren certa vez me enviou, e que eram escritos numa linguagem técnica acima da minha compreensão). Mas não era suficiente.

Agora se anuncia, contudo, não o aumento das verbas para salvar a Biblioteca Jenny Klabin, mas a sua transferência do Museu Lasar Segall para a FUNARTE. O professor aposentado da USP Jorge Schwartz, o novo diretor do Museu Lasar Segall, pretende, adotando uma linguagem de empreiteiro, transferir “cerca de 500 metros cúbicos de materiais da biblioteca” para, com as sobras do “material”, montar no Museu uma “biblioteca temática” [Cf. MARTÍ, Silas. Diretor do Lasar Segall quer aumentar o espaço. Folha de S. Paulo, 8 set. 2008]. Claro que o desmembramento das coleções para a criação de uma “biblioteca temática” (limitada ao modernismo? Limitada ao expressionismo? Limitada à obra de Segall?) acarretará a perda do belo núcleo inicial que, como toda paixão, só sobrevive de constantes oferendas, oferendas que renovam a eterna esperança da impossível completude. O que se anuncia, portanto, sem qualquer protesto da intelectualidade acadêmica, sem qualquer mobilização da classe artística, é a morte de uma fonte de cultura, a morte de uma bela biblioteca...

Luiz Nazario

II

Uma das conseqüências mais terríveis da atual entronização das tecnologias digitais é a noção de que o conhecimento precisa necessariamente de um “alvo” definido, a ser atingido com a velocidade e a precisão das bombas guiadas a laser. Se a Internet fornece, através do trabalho coordenado, de colméia, de uma multidão de anônimos que incansavelmente digitalizam textos para colocá-los, não raras vezes à revelia do autor, em seus repositórios “públicos” e “gratuitos”, efetua-se uma forma de difusão do conhecimento com base na rapina e na fúria do copy and paste. A tradição da biblioteca é outra, aquela que Jorge Luis Borges sintetizou em vários contos: trata-se de um espaço no qual a busca por um livro, ou assunto, específico conduz a inesperadas encruzilhadas, descobertas únicas que nem sempre estavam nos planos, mas que acabem por constituir uma maravilha nova e até mais importante que o motivo inicial da busca. Assim, se busco uma referência fotográfica, acabo por encontrar no meio do caminho uma reflexão estética que enriquece, inadvertidamente, minha busca. Se procuro uma análise sobre cinema, encontro uma peça teatral importante, que amplia a paisagem que originalmente criara. A biblioteca ideal, nesse sentido, ofereceria através de um acervo rico – não disperso, não estensivo, mas sugestivo e amplo dentro de um determinado universo – possibilidades de inusitadas descobertas ou combinações a seus leitores. E a verdade é que os sites da Internet que conseguem de uma forma ou de outra se aproximar desse ideal da biblioteca – como é o caso do blog BibliOdyssey – acabam por se transformar em espaços únicos dentro da imensa maçaroca de repetição e becos sem saída via rede que vemos hoje.

Tentar fazer de uma biblioteca uma ferramenta no sentido digital do termo, “focada” e “especializada”, é de certa forma destruí-la, anulando aquela essência especial. Que essa proposta venha de administradores e Think Tanks formados pela cultura digital que – como Nicholas Negroponte – desprezem o universo dos livros e acalentem secretos desejos de destruí-lo é bastante compreensível. Mas que esse desejo, vazado na novilíngua administrativa, seja expresso por um professor aposentado da USP – Jorge Schwartz –, que pretende desmembrar sem piedade a Biblioteca Jenny Klabin com finalidades de “tematização” do conteúdo, chega a ser como uma cena de Ionesco ou de outro dramaturgo do absurdo. A melancólica e mortal mutilação que tal processo causará à biblioteca demonstra como a destruição de uma biblioteca, muitas vezes, prescinde de um elemento mais dramático: o fogo.

Alcebiades Diniz Miguel

III

São Paulo, 11 de setembro de 2008

Caro Luiz Nazario,

A sua reação à transferência da Biblioteca do Museu Lasar Segall é a mesma que eu tive quando, em 14 de junho de 2006, fui chamado, juntamente com João Roberto Faria, a opinar sobre a questão. A minha desaprovação à idéia traduziu-se num parecer, subscrito por mim e pelo meu colega, no qual nos pronunciamos a favor da preservação do valioso acervo no local em que se encontra, ou nas proximidades (uma solução aventada pela então diretora da instituição), dada a importância desta fonte de informação para os estudos de teatro, cinema e televisão nas universidades e escolas paulistanas e, neste particular, no âmbito cultural brasileiro. Isto, porém, não significava que não se devesse levar em conta os motivos que induziram a diretoria do Museu a desejar o alargamento de seu espaço de exposições. De fato, a amplitude da biblioteca afeta drasticamente a área das mostras de artes plásticas, que são a própria razão de ser da atividade deste centro cultural. De todo modo, a solução encontrada não me parece, à primeira vista, a mais feliz, considerando a experiência que todos nós temos com as entidades oficiais, em geral altamente burocratizadas e sempre à mingua em termos orçamentários. Assim sendo, como você pode ver, a sua preocupação também era a nossa na época e continua a ser a minha, sem dúvida.

Cordialmente

J. Guinsburg