Acima, cartão postal da corrupção do Museu da Corrupção, seguido de duas caricaturas (a primeira de Thomate, a segunda, de Angeli) que sintetizam com eficiência o espírito de nosso tempo.
Foi inaugurado na Internet um museu virtual único na história dos museus do mundo: o Museu da Corrupção. Ali estão reunidos todos os escândalos envolvendo o Governo brasileiro: enriquecimentos ilícitos, superfaturamentos, assaltos ao erário público, caixas 2, os sistemas de “mensalão” e de “mensalinho”, cartões corporativos... Bem, a sala desses cartões permanece fechada ao público, devido à alegada falta de acesso aos dados, a despeito das informações detalhadas sobre os mesmos que podem ser consultados no Portal da Transparência, lançado pelo Governo. Ali se pode saber, ano a ano, quanto e como cada funcionário de cada pasta gastou com seu cartão corporativo, o total geral das despesas do Governo e os gastos que estão protegidos por sigilo:
2002: Presidência: R$2.866.930,23. Informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado: R$2.768.243,54. Total de pagamentos efetuados com Cartões de Pagamentos do Governo Federal em 2002: R$3.004.180,40.
2003: Presidência: R$8.308.708,72. Informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado: R$7.833.524,25. Total de pagamentos efetuados com Cartões de Pagamentos do Governo Federal em 2003: R$9.262.660,44.
2004: não consta mais a rubrica da Presidência. Informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado. R$8.838.137,27. Total de pagamentos efetuados com Cartões de Pagamentos do Governo Federal em 2004: R$14.151.233,77.
2005: não consta mais a rubrica da Presidência. Informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado: R$ 10.829.512,47. Total de pagamentos efetuados com Cartões de Pagamentos do Governo Federal em 2005: R$21.706.269,63.
2006: não consta mais a rubrica da Presidência. Informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado: R$11.164.233,46. Total de pagamentos efetuados com Cartões de Pagamentos do Governo Federal em 2006: R$33.362.544,98.
2007: não consta mais a rubrica da Presidência. Informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado: R$16.304.568,91. Total de pagamentos efetuados com Cartões de Pagamentos do Governo Federal em 2007: R$76.254.491,76.
2008: não consta mais a rubrica da Presidência. Informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado: R$18.716.924,26. Total de pagamentos efetuados com Cartões de Pagamentos do Governo Federal em 2008: R$55.257.326,02.
2009: não consta mais a rubrica da Presidência. Informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado: R$27.804.490,62. Total de pagamentos efetuados com Cartões de Pagamentos do Governo Federal em 2009: R$64.547.860,27.
2010: não consta mais a rubrica da Presidência. Informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado: R$5.358.584,85 (até abril). Total de pagamentos efetuados com Cartões de Pagamentos do Governo Federal em 2010: R$ 11.002.652,65 (até abril).
Como se vê, a transparência é relativa no Portal da Transparência, pois boa parte dos gastos, em proporções que variam de 20% a 80%, conforme o ano (os matemáticos poderão fazer contas precisas a partir dos dados do Portal da Transparência), não tem nenhuma transparência: a gastança da Presidência, a maior de todas as rubricas, é protegida por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado. E como a rubrica da Presidência desaparece em 2004, provavelmente a partir da vigência da lei, pode-se deduzir que ela coincida quase inteiramente com as “informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado”, mesmo quando Sua Majestade compra uísque e caviar, ternos Armani e gravatas vermelhas. Pode-se ainda constatar que os gastos com os cartões corporativos elevaram-se de ano a ano: de R$3.004.180,40 em 2002 para R$64.547.860,27 em 2009, revelando-se um importante “instrumento administrativo” na transparente gestão petista.
Oferecendo total transparência ao povo como prova de sua gestão impecável, Sua Majestade tem manifestado profunda irritação com as críticas da imprensa, ou seja, com o que restou de oposição no país, já que apenas 4% da população desaprovam sua gestão, segundo as últimas pesquisas. Se ainda não se pode impor um “controle social” (a censura da esquerda) à imprensa, os cortesãos alinhados não hesitam em desacreditá-la. Segundo o cineasta Jorge Furtado, por exemplo, “a antiga imprensa brasileira virou um partido político, incorporando as sessões paulistas do PSDB (Serra) e do PMDB (Quércia), e o DEM (ex-PFL, ex-Arena).”A ousada tese de Furtado baseia-se na interpretação que ele próprio fez da frase: “Obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada.” (O Globo, 19 mar. 2010), pinçada do discurso de Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional dos Jornais e executiva do jornal Folha de S. Paulo, ao jornal O Globo, denunciando o “controle social da mídia” proposto pelo Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) apresentado pelo governo do PT, de feições totalitárias. O Plano prevê a criação de uma todo-poderosa “Comissão Nacional da Verdade” e a suspensão das mídias que no entender dos ilustres comissários cometeriam “violações dos Direitos Humanos”.
Furtado concluiu de sua própria interpretação da frase de Maria Judith Brito que “Serra, FHC e seu partido, a imprensa, estiveram no poder por oito anos. Deixaram o governo com desemprego, juros, dívida pública, inflação e carga tributária em alta, crescimento econômico pífio e índices muito baixos de aprovação popular [...] a criminosa desigualdade social brasileira permaneceu inalterada e os índices de criminalidade (homicídios) tiveram forte crescimento”. Já o governo atual “conta com enorme aprovação popular” e “não há um único índice social ou econômico em que o governo Lula (Dilma) não seja muito superior ao governo FHC (Serra)”. Quanto à ideologia do “partido da imprensa”, ela “reúne os interesses da direita brasileira.” Uma conclusão que justifica, obviamente, o “controle social da mídia” pelos fascistas de esquerda, reconhecíveis através do uniforme que geralmente adotam, aposentando os jeans surrados e as camisetas Che Guevara, ao chegar finalmente ao poder executivo: terno preto com gravata vermelha.
Mas a verdade não é simples. A “antiga imprensa” fez forte oposição ao governo FHC e ajudou a eleger Lula. A maioria dos jornalistas adota posições de esquerda, ainda que seus patrões defendam interesses de direita. O que os donos da “antiga imprensa” publicam não reflete, assim, necessariamente, os seus interesses de direita, uma vez que seus veículos estão em última instância nas mãos dos jornalistas que militam dentro deles, e que não perdem uma ocasião de favorecer os seus interesses de esquerda. Assim, a “antiga imprensa” ajudou e muito o PT a chegar ao poder. Nas democracias liberais, os governos são obrigados a prestar contas de seus atos à imprensa, em eterna posição de cobrança. Já a democracia petista que deseja eternizar-se no poder pensa em calar esse “partido de oposição” submetendo-o a um controle social: só caberá à imprensa divulgar a bilionária propaganda estatal que introjeta o mito grotesco do Brasil Primeiro Mundo, do Brasil Potência, do Brasil que se Orgulha, do Brasil do Pré-Sal numa população idiotizada pela cultura do futebol, do carnaval, das nádegas, do axé e da cerveja.
E o que significa a “enorme aprovação popular”, que enche a boca dos admiradores de Sua Majestade? A História nada ensina aos homens? Hitler foi o mais votado a 14 de novembro de 1933, com 93% dos votos, ou 40 milhões de “sim” contra 2 milhões de “não”, triunfo que incluiu uma maioria de votos “sim” entre os prisioneiros dos campos de concentração (Dachau, o primeiro deles, fora inaugurado em março de 1933, imediatamente após a tomada do poder – cf. KLEMPERER, Victor. LTI – A linguagem do Terceiro Reich. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009, p. 87). Hitler tornou-se ainda mais popular ao acabar com o desemprego na Alemanha implantando um “programa de crescimento acelerado” de construção de auto-estradas. Também a ditadura militar tornou-se popular no Brasil implantando um “programa de crescimento acelerado” (Itaipu, Ponte Rio - Niterói, etc.).
Uma famosa entrevista que Lula deu à Playboy, em 1979, transcrita por Reinaldo Azevedo em seu blog, esclarece o sentido aparentemente contraditório das atitudes de Sua Majestade:
[...] Playboy – Há alguma figura de renome que tenha inspirado você? Alguém de agora ou do passado?
Lula [pensa um pouco] – Há algumas figuras que eu admiro muito, sem contar o nosso Tiradentes e outros que fizeram muito pela independência do Brasil […]. Um cara que me emociona muito é o Gandhi […]. Outro que eu admiro muito é o Che Guevara, que se dedicou inteiramente à sua causa. Essa dedicação é que me faz admirar um homem.
Playboy – A ação e a ideologia?
Lula – Não está em jogo a ideologia, o que ele pensava, mas a atitude, a dedicação. Se todo mundo desse um pouco de si como eles, as coisas não andariam como andam no mundo. […]
Playboy – Alguém mais que você admira?
Lula [pausa, olhando as paredes] – O Mao Tse-Tung também lutou por aquilo que achava certo, lutou para transformar alguma coisa.
Playboy – Diga mais…
Lula – Por exemplo… O Hitler, mesmo errado, tinha aquilo que eu admiro num homem, o fogo de se propor a fazer alguma coisa e tentar fazer.
Playboy – Quer dizer que você admira o Adolfo?
Lula – [enfático] Não, não. O que eu admiro é a disposição, a força, a dedicação. É diferente de admirar as idéias dele, a ideologia dele.
Playboy – E entre os vivos?
Lula [pensando] – O Fidel Castro, que também se dedicou a uma causa e lutou contra tudo.
Playboy – Mais.
Lula – Khomeini. Eu não conheço muito a coisa sobre o Irã, mas a força que o Khomeini mostrou, a determinação de acabar com aquele regime do Xá foi um negócio sério.
Playboy – As pessoas que você disse que admira derrubaram ou ajudaram a derrubar governos. Mera coincidência?
Lula [rápido] – Não, não é mera coincidência, não. É que todos eles estavam ao lado dos menos favorecidos. […].
Playboy – No novo Irã, já foram mortas centenas de pessoas. Isso não abala a sua admiração pelo Khomeini?
Lula – É um grande erro [...]. Ninguém pode ter a pretensão de governar sem oposição. E ninguém tem o direito de matar ninguém. Nós precisamos aprender a conviver com quem é contra a gente, com quem quer derrubar a gente […]. É preciso fazer alguma coisa para ganhar mais adeptos, não se preocupar com a minoria descontente, mas se importar com a maioria dos contentes.
Lula seguiu seus modelos e tornou-se um clone – em escala mínima – de todos eles. Revelou coerência ao escolher seus líderes – Gandhi, Che Guevara, Mao Tse-Tung, Hitler, Khomeini e Fidel Castro – sempre minimizando a ideologia de cada um deles, valorizando apenas o impulso totalitário que os movia. De fato, o espírito de Gandhi preside o Programa Fome Zero; o odor de Che Guevara anima o Movimento dos Sem Terra; o bafo de Mao Tse-Tung sopra sobre as obras do PAC; a sombra de Hitler aflora no caso Celso Daniel; o espectro de Khomeini paira sobre a aliança Brasil-Irã; os estertores de Fidel Castro embalam todo o governo Lula.
Como O pequeno Zaccarias chamado Zenóbio, de E. T. A. Hoffmann, Lula tem o poder sobrenatural de encantar a todos com seus discursos vazios e piegas entrecortados de gafes de neófito na civilização. Como Zenóbio, ele suga a sorte de todos que o cercam, atraindo para si as qualidades alheias. Por isso o “Cara” encanta e diverte todo mundo, personagem dileto dos humoristas, com sua língua presa falando o que lhe dá na telha, dando piruetas como um chimpanzé amestrado de circo, enquanto os velhos malabaristas que o cercam escorregam na lona e se estropiam. Só ele poderia escapar incólume de um escândalo das proporções do mensalão dizendo apenas “não saber de nada” enquanto a podridão de sua administração era exposta diariamente ao vivo, meses a fio, nas CPIs e nas TVs públicas; só ele poderia triunfar simultaneamente no Fórum Social Mundial e no Fórum do G-8; aceitar o convite da conferência da Governança Progressista e alertar seus membros de que estar ali não significava concordar com sua política, prevendo que cada um deixaria a reunião pensando o mesmo que antes; só ele poderia apertar a mão de George Bush e declarar admirar os EUA porque “os americanos só pensam neles mesmos”; só ele poderia solicitar o apoio de Tony Blair à pretensão brasileira de assento permanente no Conselho de Segurança da ONU para fortalecer as “posições da maioria” (contra Israel) nas decisões sobre o conflito no Oriente Médio, que “não interessa apenas aos EUA, mas a toda a humanidade” e condenar resolutamente a Inglaterra no caso das Malvinas (O Tempo, 15 jul. 2003).
Como Rudie, o Grande Ditador do maravilhoso romance The Holly Terror, de H. G. Wells, Lula pode dizer as maiores asnices que todos se encantarão devido à sua condição de ex-faminto nordestino ignorante, mas espertalhão, que diz a cada parte o que ela quer ouvir, satisfazendo a todos para seguir adiante, traindo a todos pelas costas; pode demonstrar total incompetência, por ser um Zé Ninguém alçado à Presidência da República pelas elites socialistas brasileiras (da ricaça socialista Marta “relaxa e goza” Suplicy ao ricaço Eduardo “de cueca no senado” Suplicy; das ONGs da maconha às socialites funkeiras que sobem o morro para confraternizar com “a comunidade”, cantando sujeiras e rebolando como vagabundas), cuja visão de mundo é deformada desde o berço pela culpa de “nadar em dinheiro” num país cheio de miseráveis. Apesar do crescimento quase zero do PIB; do desmatamento inédito da Amazônia; de algumas das piores catástrofes da História do Brasil – 154 mortos no desastre da Gol em 2006; 199 mortos no desastre da TAM em 2008; mais de 250 mortos nas inundações e deslizamentos de terra no Rio de Janeiro e em Niterói, em 2010; do maior assalto ao dinheiro público já registrado na História da República; da derrama que liquida a classe média em benefício de uma classe D que ascende à classe média para ser futuramente liquidada (o que essa classe D em ascensão ainda não percebeu); da destruição dos ideais da esquerda; do “apagão” aéreo que só afeta os que podem viajar; dos “apagões” de energia sem explicação satisfatória; da perseguição petista à imprensa, especialmente da revista Veja (queimada em pilhas no Forum Social Mundial, numa emulação da Bücherverbrennung nazista) e seus colunistas não corrompidos (Diogo Mainardi, acumulando processos; Reinaldo Azevedo, chamado de “pulga de orifício anal” e outros nomes bonitos nos blogs petistas a formar milícias de linchadores) e até mesmo aos jornalistas da “casa” (Salete Lemos, demitida da TV Cultura depois criticar bancos e governo; Eugenio Bucci, afastado da Radiobrás, hoje transformada numa agência de propaganda socialista), Sua Majestade manteve-se não apenas firme no trono como ganhou uma popularidade extraordinária, com quase 80% de aprovação de seu (des)governo.
O segredo para essa estabilidade e popularidade está na drenagem dos recursos acumulados pelo trabalho qualificado das classes B e C para as classes A e D, que não precisam de muito estudo para enriquecer ou trabalhar (os milionários brasileiros da classe A são geralmente self-made-men sem educação superior e nisso se igualam aos miseráveis brasileiros da classe D: o horizonte cultural de Zé Mané a Tião Maia, de Zé Fulano a Silvio Santos, de Zé Ninguém a José de Alencar, é o mesmo. Assim, o PT estabilizou-se no poder colocando Lula no cargo decorativo de Presidente para viajar a maior parte do tempo, realizando seu sonho de conhecer o mundo; confiando o governo às forças ocultas do PT, a economia ao czar Henrique Meirelles do PSDB (hoje bandeado para o PMDB) para esmagar a odiada classe média, a única progressista no Brasil, mantendo as taxas de juros entre as mais altas do mundo; estabilizando a pobreza com a ampliação do Programa Bolsa Família para 40 milhões de miseráveis; aparelhando o Estado com milhares de novos cargos de confiança preenchidos por “companheiros”; enriquecendo ainda mais os milionários e bilionários que controlam as mídias com censura interna e propaganda do governo. “Muitos petistas serão inocentados”, profetizou Sua Majestade à época do mensalão, quando recebia vaias no PAN, limitadas aos privilegiados que puderam pagar ingresso. A profecia foi largamente cumprida, com as CPIs terminando em “pizzas” e Sua Majestade afirmando sem pestanejar: “Ficou provado que o mensalão nunca existiu”.
Luiz Nazario