O verme de Duna, na visão de H. R. Giger para o filme de Jodorowsky.
O palácio do imperador, por Chris Foss.
Storyboard de Moebius para a adaptação de Dune por Jodorowsky.
Concepção de Moebius para o imperador da galáxia.
Em 1965, o escritor norte-americano Frank Herbert (1920-1986) lançava o romance Dune – o primeiro de diversas sequências, algumas mais recentes realizadas pelo filho do autor. Tratava-se de complexa obra que mesclava algo do universo puramente maravilhoso de obras como O Senhor dos Anéis de J. R. R. Tolkien com as articulações entre tecnologica, ciência e política típicas da ficção científica. O amplo e sugestivo universo criado por Herbert em seu romance não apenas arrebataria os principais prêmios literários da SF nos EUA como tornar-se-ia uma das obras mais vendidas daquele gênero em termos mundiais: se, por um lado, sua mensagem ecológico-política teria amplo apelo em um momento em que o meio-ambiente tornava-se parte da agenda política de forma enfática, por outro, uma legião de seguidores surgiria, cultuando os produtos gerados a partir do romance original, antecipando modismos modernos que só seriam gerados por obras cinematográficas como Star Wars de George Lucas. Uma obra de tão poderosas ressonâncias, contudo, só seria adaptada para o cinema, por David Lynch, em 1984. Mas essa versão foi precedida de um ambicioso projeto arquitetado pelo diretor de cinema e escritor chileno Alejandro Jodorowsky – filme nunca realizado cujos despojos são tão fascinantes que nos fazem imaginar que obra cinematográfica teríamos se as loucas visões de Jodorowsky tivessem obtido apóio para sua concretização.
Após concluir seu western místico A Montanha Sagrada (The Holy Mountain, 1973), filme que se tornaria sensação e escândalo no festival de Cannes daquele ano, Jodorowsky daria início ao seu projeto de adaptação de Dune em 1976. Convocou para colaborar na produção do filme o ilustrador de quadrinhos Jean Giraud – mais conhecido por seu pseudônimo, Moebius – que viria a trabalhar com Jodorowsky, já nos anos 1980, na série de quadrinhos Incal; o artista suíço H. R. Giger, posteriormente famoso por seus sets e pelo monstro de Alien: o Oitavo Passageiro (Alien, 1979); o artista britânico especializado em SF Chris Foss. A trilha-sonora estaria a cargo da banda britânica de space rock Pink Floyd e as propostas para os atores que protagonizariam a produção incluíam Orson Welles, Mick Jagger e Salvador Dalí. Este último – se o filme se realizasse, segundo Luiz Nazario, Dalí amealharia o maior cachê da história do cinema – interpretaria o imperador do universo, que faria seus ditames sentado em um trono-vaso sanitário de ouro com dois golfinhos entrelaçados. A explosão imaginativa de Jodorowsky, por motivos evidentes, não convenceu os executivos de Hollywood, que nutriam ambições bem mais modestas. Assim, Jodorowsky abandonaria o projeto, não sem antes realizar extensas notas de produção que, talvez, um dia vejam a luz como livro, que poderia incluir as artes dispersas realizadas pelos artistas envolvidos. Por enquanto, uma exposição realizada em Londres busca sumarizar esse magnífico filme que jamais deixou a esfera do desejo. A exposição, batizada Alejandro Jodorowsky's ‘Dune’: An exhibition of a film of a book that never was, apresenta não apenas o material originalmente criado para o filme como traz interpretações atuais das notas de Jodorowsky, realizadas por alguns artistas contemporâneos: Steven Claydon, Matthew Day Jackson e Vydia Gastaldon.
No texto de apresentação do site da exposição, a curadoria da exposição afirma que o filme de Jodorowsky marcaria uma direção outra para a produção cinematográfica de ficção científica, excessivamente centrada na questão tecnológica; uma direção que não deixaria de lado o delírio e a metafísica. Mais que uma revolução de gênero, a versão de Jodorowsky para Dune determinaria um novo limiar para o imaginário em imagens que, na SF como em outras frentes do cinema mundial, corre o sério risco de sofrer a paralisia tenebrosa causada pelo eterno retorno dos mesmos clichês.
- Algumas das imagens originais de Moebius, Giger e Foss para a adaptação de Jodorowsky podem ser vistas neste link.
- Além do recente volume O Surrealismo, organizado por Jacó Guinsburg e Sheila Leirner, que conta com ensaio de Luiz Nazario que versa sobre os representantes do surrealismo fílmico, o que inclui a obra de Alejandro Jodorowsky (e seu projeto não realizado), há o interessante livro The Greatest Sci-Fi Movies Never Made, de David Hughes, que analisa as dificuldades de produção desse gênero que necessita de grande disponibilidade de dinheiro e uma estrutura de realização industrial para a concretização imagética.
Alcebiades Diniz Miguel