domingo, julho 26, 2009

Panoramas Virtuais

Ao entrar no Panorama Mesdag, em Den Haag, nos vemos cercados por uma pintura circular de 1.680m² de superfície, 14m de altura e 120m de circunferência, iluminada pela luz natural, mas encoberta de tal maneira que cria uma ilusão de realidade. A tela gigantesca e circular, pintada por Hendrik Willem Mesdag, representa a aldeia de pescadores de Scheveningue – o mar do Norte, gaivotas, barcos, banhistas, paradas de soldados, casas, toda uma aldeia. À imagem plana uma terceira dimensão é acrescida por objetos reais dispostos entre o observador e a tela: dunas de areia, pás, baldes, pedras, redes... Obtemos, assim, a sensação lisérgica de estarmos não num gabinete fechado, mas numa praia. E também não numa praia real, e sim numa praia de sonho, pintada a mão...


Desde o Panorama Mesdag, um dos mais perfeitos, construído entre 1880 e 1881, e até hoje uma das grandes atrações turísticas daquela cidade holandesa, as imagens panorâmicas sempre fascinaram o público ao inserir o espectador na paisagem, prenunciando o cinema de ação, com seus vertiginosos movimentos de câmara e seu envolvimento emocional. Hoje esse fascínio é revivido tanto nas novas salas de cinema IMAX e 360 graus como na proliferação das fotografias panorâmicas. Um dos melhores exemplares desta velha arte que revive no mundo virtual é a maior fotografia feita até hoje em gigapixel, retratando
a Priaristenkirche Maria Treu, em Viena, na Áustria, inteiramente capturada em 360 graus.

No computador, podemos movimentar a imagem com os cursores para cima e para baixo, da direita para a esquerda, e vice-versa, “passeando” dentro de todo o ambiente e apreciando cada detalhe da arquitetura neogótica do templo. Brincando com esse maravilhoso recurso tecnológico, podemos encontrar detalhes como um banco da igreja que tem o tecido esgarçado, ler as inscrições em alemão gótico sob os quadros, até encontrar no chão a esfera que reflete todo o ambiente, o “ponto zero” do panorama assinado Photoart Kalmar.

Outro espetacular panorama virtual permite-nos conhecer um dos Grandes Tesouros da China, guardado no Museu de Shanghai, onde o público faz longas filas para apreciá-lo. Medindo 5m28 de largura por 24,8 cm de altura, Ao longo do rio durante o Festival Ching-ming é um panorama pintado por volta de 1085-1145, na Dinastia da Canção do Norte, e repintado durante a Dinastia Qing


Há muitos outros panoramas antigos que hoje se tornam acessíveis graças aos recursos panorâmicos virtuais dos computadores, como este Panorama de Londres realizado por Wenceslau Hollar em 1647. Ou ainda este muito belo Panorama de Edinburgo, por Robert Baker:


Contemporaneamente, o artista Alexandre Duret-Lutz criou, com sua Pentax 10-17mm fisheye zoom, imagens panorâmicas com projeção estereográfica que remetem imediatamente à célebre ilustração que Saint-Éxupey fez para o planeta de seu Pequeno Príncipe, assim como ao mundo asséptico e ensolarado do excêntrico Pee-we Herman: a série chama-se, justamente, “Wee planets”. Cada imagem criada por Duret-Lutz é um pequeno planeta, fechado em si mesmo, esquizóide e feliz. Um planeta-gnomo, mas repleto, pois contém magicamente tudo o que o faz funcionar: seu tamanho minúsculo não impede a existência de amplos jardins, torres gigantescas, suntuosos palácios e catedrais que se projetam para o céu. Essas imagens espetaculares são obtidas “somando” a perspectiva que nosso olhar obtém na horizontal (quando giramos o corpo ao redor de seu eixo 360°) e na vertical (quando olhamos de baixo para cima até o céu 90° e de cima para baixo até o chão -90°, cobrindo 180°). O resultante panorama de 360° x 180° reconstrói a visão do mundo do zênite (o ponto do céu bem acima de nós) ao nadir (o ponto do chão bem abaixo de nós), registrando tudo em todas as direções ao mesmo tempo. A série completa pode ser apreciada no Flickr. Eis aqui algumas das minhas preferidas:


Novos realizadores utilizam de forma espantosa os recursos visuais das novas câmaras digitais e das edições em computador, criando realidades surrealistas em seus vídeos esféricos. Surgem, enfim, novas e impactantes visões panorâmicas, como as dos pequenos filmes de Keith Loutit, que transformam – especialmente em Beached – o mundo real em uma série de cenários de brinquedo e a humanidade viva em verdadeiros formigueiros.

Operando uma junção do Google Earth com a fotografia panorâmica, Jeffrey Martin concebeu em 2004 uma comunidade de fotógrafos coletando panoramas do mundo inteiro: assim foi sendo criado um imenso arquivo – a 360 Cities – que pode ser acessado, cidade por cidade. Ali também podemos encontrar alguns panoramas de Barak Obama em visitas a Berlim e a Praga, esta última registrada por Jeffrey Martin, não sem defeitos de cabeças deslocadas. Centenas, logo milhares, de panoramas de metrópoles, capitais, cidades pouco conhecidas, mas pitorescas por qualquer motivo, foram armazenadas neste e em outros sítios.

Espetaculares panoramas de paisagens e pontos turísticos podem ser vistos e baixados no sítio da HDRLabs: em sua galeria, há giga panoramas, imagens em gigapixel, que permitem aproximações de foco em detalhes da paisagem tomada a centenas de metros, como neste panorama de arranha-céus em Nova York realizado em 2007. No brilhante flash panorama de Christian Blochi do Mans Chinese Theater o interior do teatro, todo decorado em vermelho, parece abrir e fechar como um botão de rosa; podemos aí aproximar a câmara até o teto do teatro para sondar os desenhos estampados na tapeçaria que o recobre...

O fotógrafo Gilles Vigal, em seu sítio, registrou a visita do Papa Bento XVI a Lourdes; a parafernália eletrônica no interior do cockpit do Airbus 380-A; e uma bela coleção de panoramas de Veneza, realizados em 2004 a convite do projeto WHTour, coordenado por outro fotógrafo panorâmico, o belga Tito Dupret, que se dedica a criar um banco de imagens, panoramas, panografias e visitas virtuais de todos os 754 locais repertoriados em 129 países como patrimônio do mundo pela UNESCO, a fim de despertar a consciência da necessidade de preservar esses locais e favorecer a noção de turismo “sustentável” (o conceito totalitário da moda). Tito Dupret já cobriu 273 locais na China, no Camboja, na Indonésia, no Laos, na Malásia, na Tailândia, nas Filipinas, no Vietnã e no Egito, sempre sozinho com seu equipamento fotográfico e seu laptop, gastando – a crer nele e em sua capacidade de sustentabilidade –, apenas US$12 por dia. Seu périplo teve início em julho de 2001 e está planejado para terminar em 2021.

O sítio http://www.panoramas.dk/index.html apresenta uma coleção pitoresca: da sala de brinquedos da Neverland de Michael Jackson à Mesquita de Damasco, da Igreja de Bélem à noite à visita de Barack Obama a Berlim. Não podemos esquecer aqui do famoso panorama de sua posse, uma junção de centenas de fotografias em composição espetacular que permitia focar o rosto de cada convidado na multidão, possibilitando informações precisas para a polícia em caso de atentado terrorista, revelando ao mundo que a técnica da fotografia 360° atingira um novo patamar. A era Obama é a era do panorama...

Enfim, o mapeamento virtual do planeta recorda um conto de Jorge Luis Borges sobre um imperador chinês que encomendou aos seus sábios um mapa de seu reino que fosse o mais completo, veraz e minucioso possível; o mapa resultou tão perfeito que acabou por reproduzir a China em escala natural, tal e qual existia na realidade, com suas montanhas, seus vales, seus rios, sua Grande Muralha... Da mesma forma, o tempo que o internauta consome percorrendo os panoramas virtuais do mundo é aquele mesmo em que uma vida se consume entre quatro paredes, sugada por um monitor que lhe proporciona, através das belas imagens panorâmicas, a sensação de viajar pelo mundo sem jamais conhecê-lo.

Luiz Nazario