domingo, novembro 09, 2008

O Nevoeiro


Recentemente lançado em DVD, O nevoeiro (The Mist, EUA, 2007, 126’) de Frank Darabont, o mesmo diretor de Um sonho de liberdade e À espera de um milagre, adapta outra obra de Stephen King para as telas. Ao contrário das duas outras adaptações, esta é do gênero horror. Numa pequena cidade do Maine, durante uma tempestade, somos apresentados a David Drayton (Thomas Jane), que pinta, em seu ateliê, um quadro que parece retratar o personagem de Clint Eastwood em Três homens em conflito, uma entre outras homenagens que Darabont faz a filmes que foram sua inspiração, como o Enigma de outro mundo. A eletricidade acaba e somos introduzidos ao resto da família Drayton: a mulher e o filho. Pela janela, os três observam a assustadora tempestade elétrica. Na cena seguinte, uma árvore invade o lar dos Drayton, e quebra a fina camada que os distanciava do horror. Após a tempestade, uma névoa branca parece dirigir-se à cidade. David Drayton, seu filho, e o problemático vizinho Brent Norton (Andre Braugher) precisam ir ao supermercado para reabastecer seus lares. E terminam presos ali dentro, cercados que são pela misteriosa névoa que contém estranhos e mortíferos seres.

O nevoeiro é um filme de baixo orçamento. A liberdade do filme B permitiu ao diretor criar uma obra mais complexa, com várias possibilidades de leitura. Grande fã de filmes clássicos de horror e ficção científica, Darabont volta às suas raízes (ele escreveu A Hora do pesadelo 3, A bolha de 1988 e A Mosca 2), retomando várias características das obras que o marcaram, como o elemento trash. Embora não sejam os protagonistas da história de horror, como seria de se esperar, as criaturas criadas por Gregory Nicotero são curiosas e únicas. Infelizmente, elas foram trabalhadas por computação gráfica, o que diminui a veracidade de seu contato com os atores. Os efeitos especiais podem parecer “fracos” para os fãs do gênero.

O que mais parece interessar ao diretor e roteirista é, como nos filmes de George Romero, o estudo de seus personagens e a elaboração de metáforas (como o próprio Darabont afirmou em entrevistas). É possível enxergar o nevoeiro como a mente humana em seu estado mais “enevoado” ou “cego”, povoada por demônios e crendices, que se tornam mais ameaçadores com o passar do tempo. O filme trabalha esta e outras idéias através do estado de confinamento dos personagens, fazendo aflorar o melhor e pior de suas personalidades. Ilhados no supermercado da cidade, com criaturas do lado de fora, eles são princípios com os quais o diretor tece suas críticas sociais.

O filme difere de outros do gênero pela criação dessa teia social que relaciona os personagens: o único negro no filme, apesar de gozar do status social de juiz, é constantemente hostilizado pelos brancos. Darabont não atenua os conflitos humanos em face do conflito homem-monstro, e sim os intensifica, expondo o modo de pensar e agir de cada um em relação ao outro e a si próprios. Interessante também é que em vez de buscar a solução mais fácil, o diretor dá até aos “vilões” uma dimensão humana, já que estes acreditam realmente estar trabalhando pelo bem comum.

O fim do filme, que difere do conto original de Stephen King, causou fortes reações, tanto negativas quanto positivas, pois explicita a visão de um mundo assustador que questiona o “razoável” e as próprias ações humanas. É um filme sobre a materialização dos “monstros” de uma sociedade decadente. Aquilo que parece arbitrário ou randômico ganha uma assustadora lógica. O nevoeiro visa incomodar o público. Nas palavras de Stephen King, o filme “retrata situações políticas e religiosas atuais”, mostrando a impossibilidade da harmonização de universos e crenças diferentes. Darabont não enxerga nenhuma possibilidade de conciliação. Em seu universo, algo terá que ser destruído ou sacrificado, pois o mundo da fé e o mundo da racionalidade não podem coexistir.

José Ricardo da Costa Miranda Júnior