quarta-feira, julho 18, 2007

"Stalker" torna-se realidade na Rússia


O filme Stalker (1979), de Andrei Tarkovski, apresenta uma espécie de "zona fantasma" no interior da Rússia, devastada por um obscuro desastre cujos destroços e contaminação ainda permaneciam ativos. A região era isolada por tropas militares e arames farpados, tornando-a inacessível (a não ser para os "stalkers", guias que conhecem as armadilhas dessa wasteland). A fantasia científico-existencial de Tarkovski era uma alegoria completa da situação humana dentro do regime totalitário soviético; contudo, após matérias reveladoras recentemente publicadas, pode hoje ser lida como um presságio dos destroços da corrida militar soviética continuamente trazidos à superfície nas últimas décadas como tragédias: bases e cidades abandonadas, reatores obsoletos destruídos contaminando toda a região, armas atômicas e tecnologia militar negociadas por preços baixos, etc.

Mas talvez o maior exemplo de como a realidade russa pós-comunista seguiu a apocalíptica ficção de Tarkovski seja a ilha de Vozrozhdeniye, ou Vozrozhdeniya, próxima ao mar de Aral – ele mesmo atingido por uma tragédia ecológica imensa, diminuindo a cada ano e prester a desaparecer – batizada de "o maior complexo de teste para armas biológicas do mundo". A base de testes, reduzida a destroços descritos por jornalistas que visitaram o local, mostra um mundo assustador preenchido apenas por períodicos médicos ocidentais, livros de Marx e pelas correntes usadas para prender as cobaias empregadas nas pesquisas. O cenário torna-se ainda mais assustador quando vemos que invasores e contrabandistas – atualizações dos "stalkers" – visitam continuamente o local desde 1996, roubando tudo que podem, de fiações a pedaços de metal e material eventualmente contaminado. A perspectiva futura dessa incômoda herança da Guerra Fria é bastante sombria: conforme a devastação do mar de Aral prossegue incontrolável, a ilha vai se integrando ao continente – agora já se trata de uma península – o que facilitará ainda mais o contato de populações próximas com a ilha, fortemente castigada por ventos, e sua "carga", ainda em grande parte não avaliada. Já foram noticiados casos de
estranhas epidemias e contaminação de cientistas.

- "The Island of Forgotten Diseases" de Geoff Manaugh para o blog BLDGBLOG.
- "Anthrax Island" de Christopher Pala para o The New York Times.
- "Anthrax 'time bomb' ticking in Aral Sea, researchers say" de Don Knapp para a CNN.
- Stalker foi lançado no Brasil, podendo ser comprado aqui.

Alcebiades Diniz Miguel

Lançada edição especial com obra completa de Winsor McCay


O pioneiro da animação da HQ e de obras visualmente imaginativas, o norte-americano Winsor McCay, ganhou uma edição incrivelmente completa: o livro Dream of the Rarebit Fiend. Trata-se de uma volumosa edição: mais de 464 páginas, cada página medindo 30 x 43 cm. O livro, que pesa 4,5 quilos, inclui toda a produção de McCay, até uma crítica de seu vaudeville ou um obituário que saiu quando da morte do ilustrador. A pesquisa histórica e crítica conta com um ensaio do pesquisador John Canemaker sobre a vida e a obra de McCay, além de análises comparativas demonstrando a influência do desenhista em importantes obras de Disney ou no filme King Kong. A edição ainda acompanha um DVD/CD-ROM com material exclusivo para leitura me meio digital. Uma edição histórica para os que se interessam pelos primordios do cinema de animação e das HQs.

Preço: US$ 114,00 (sem custos adicionais de envio).

- Site para compra de Dream of the Rarebit Fiend.

Via Cartoon Brew.

Alcebiades Diniz Miguel

segunda-feira, julho 16, 2007

Especial Ray Harryhausen


Esta semana, no excelente blog Monster Brain, inaugurada uma mostra especial com trabalhos do grande animador e criador de criaturas Ray Harryhausen. Algumas das primeiras imagens podem ser vistas logo acima.

Alcebiades Diniz Miguel

segunda-feira, julho 02, 2007

Preciosidades do Popeye em DVD


Um delicioso – e caro – lançamento da Warner Home Video acontece no final de julho: o primeiro volume da série especial Popeye the Sailor: 1933-1938. Trata-se de uma edição especial com várias animações do famoso marinheiro restauradas, na qual a lindíssima fotografia technicolor dessa imortal criação dos irmãos Fleischer volta a brilhar com plena magnitude. Mas o atrativo não são "apenas" as animações restauradas, mas também a quantidade impressionante de extras – incluindo documentários e análises de animadores contemporâneos – ao longo dos quatro DVDs que compõem o lançamento.

Infelizmente, é pouco provável que essa série da Warner seja lançada no Brasil. A coleção Disney Treasures, igualmente caprichada, saiu mutilada (apenas 3 títulos) e foi abandonada. Por outro lado, mesmo séries televisivas de sucesso, como Animaniacs ou Pinky and the Brain foram lançadas por aqui em edições deprimentes, quando comparadas às suntuosas edições americanas. Apenas produtos identificados ao modismo dos revivals e nostalgias da década de 1980, como a sofrível série He-Man mereceram certo destaque na qualidade quando lançados em DVD por aqui. Isso indica claramente que os apreciadores, conhecedores, colecionadores e admiradores da arte da animação em nosso país só conseguem adquirir produtos do nível de Popeye the Sailor através do caro e pouco prático método da importação. De qualquer forma, trata-se de um exemplo de edição que poderia servir de exemplo para distribuidoras nacionais, que poderiam investir nesse nicho com mais ímpeto e boa vontade.

Via Cartoon Brew.

Alcebiades Diniz Miguel

Lume Filmes aposta nos independentes

A distribuição de DVDs de arte tem alcançado uma significativa inserção no mercado brasileiro. Após grandes lançamentos apresentados pelas distribuidoras Continental, Aurora, Magnus Opus, Versátil e Imagem Filmes, um novo selo: a Lume Filmes (com sede em São Luís-MA), que aparece com a proposta de títulos independentes ainda não lançados aqui. Se a proposta é interessante, resta averiguar as qualidades técnicas dos DVDs que estão por sair: legendagem, codificação de imagem e áudio, variedade dos extras, pesquisa por trás dos títulos, etc.

Até o momento, a Lume, além de incentivar a produção de curtas-metragens nacionais, possui os direitos de distribuição de 27 filmes em DVD. Neste segundo semestre, pretende lançar algumas obras de cineastas renomados como Werner Herzog, David Lynch, Emir Kusturica, Wong Kar-wai, Akira Kurosawa, Kenji Mizoguchi, Otto Preminger e Francis Ford Coppola. Dentre os títulos, destaque para Eraserhead (idem, EUA, 1977), de David Lynch; Stroszek (idem, Alemanha, 1977), de Werner Herzog; e Felizes Juntos (Happy Together, Hong Kong/Argentina, 1997), de Wong Kar-wai.


O debut de Lynch está entre “os filmes proibidos da meia-noite”. É uma produção ousada para sua época, sendo conhecida apenas por cinéfilos e exibida em circuitos fechados. Estranho e belo, este underground pós-moderno, fotografado em P/B, é como um pesadelo experimental que dá início à “teoria da monstruosidade” aperfeiçoada por Lynch em filmes posteriores como O Homem Elefante (The Elephant Man, EUA, 1980). O ideal seria se a Lume disponibilizasse nos extras os curtas-metragens de Lynch e o documentário norte-americano Pretty as a Picture: The Art of David Lynch (1997), dirigido por Toby Keeler. Mas não podemos esperar tanto...

Stroszek é o filme-irmão de O Enigma de Kaspar Hauser (Jeder Für Sich und Gott Gegen Alle, Alemanha, 1974), também de Herzog. Versa sobre a viagem que Bruno Stroszek (espécie de Kaspar Hauser na idade adulta), um músico de rua alcoólatra, e Eva, uma prostituta, fazem para o estado norte-americano de Wisconsin, na esperança de uma vida melhor. Escrito em quatro dias, rodado em Berlim e em duas cidades de Wisconsin, Stroszek mostra-se tão moderno quanto O Homem Urso (Grizzly Man, EUA, 2005).

Felizes Juntos, do chinês Kar-wai, levou o prêmio de direção em Cannes, em 1997, e narra o drama afetivo vivido por dois homossexuais emaranhados entre a solidão e o apego. O título ironiza os fracassos dos dois rapazes: da imigração ilegal à prostituição, do desejo interrompido à traição. A fotografia de Christopher Doyle, em cores e em preto-e-branco, dá o tom agridoce deste romance. Hoje, Kar-wai é conhecido pelo estilo peculiar de filmes como Amor à flor da pele (In The Mood For Love, China, 2000) e 2046: os segredos do amor (2046, China/Hong Kong/França/Alemanha, 2004). O cineasta possui uma série de curtas-metragens que também poderiam figurar como extras no DVD.

A proposta da Lume é também trazer para o mercado títulos do cinema indie, representado aqui por Todd Solondz, Neil LaBute e Jim Jarmusch. O primeiro DVD a sair, em julho, é Felicidade (Happiness, EUA, 1998), de Solondz. Trata-se de um painel sobre os relacionamentos neuróticos vividos por loosers de Nova Jersey balizados pela falsa promessa de felicidade. Apesar do ritmo novelesco e do final deprimente, o filme ganhou diversos prêmios nos festivais de cinema independente, cativou a crítica no Festival de Cannes, e ainda conquistou o prêmio do Júri na 22ª Mostra Internacional de Filmes de São Paulo. Desde então, o cineasta tornou-se reconhecido pelo anterior Bem-vindo à casa de bonecas (Welcome to the Dollhouse, EUA, 1995) – que também será lançado pela distribuidora - e pelos posteriores Histórias Proibidas (Storytelling, EUA, 2000) e Palíndromes (idem, EUA, 2004).


Neil LaBute é mestre em abordar de modo frio e cruel a psicologia de seus personagens. Dele, a Lume lançará Na Companhia de Homens (In the Company fo Men, EUA/Canadá, 1997), comédia densa sobre o cinismo que permeia os relacionamentos amorosos na pós-modernidade. A trama gira em torno do plano perverso de dois amigos que, abandonados pelas namoradas, decidem vingar-se das mulheres. Recentemente, um texto de LaBute aportou nos palcos brasileiros: a peça Baque, série de três monólogos, sob a direção de Monique Gardenberg.

De Jarmusch, sairá o DVD Down By Law (idem, EUA, 1986), exibido no Brasil com o ridículo título de Daunbailó. Com elenco irreverente, de Tom Waits a Roberto Benigni, o filme parte do gênero prision movie para retratar de modo cômico e cínico como dois loosers que dividem a mesma cela foram injustamente presos. O cineasta é referência obrigatória no cinema independente atual.

Como poucas distribuidoras que prezam a memória do cinema, a Lume também investirá nos clássicos da cinematografia, especialmente a européia e a oriental. Entre os DVDs previstos estão Filhos de Hiroshima (Gembaku no ko, Japão, 1952), de Kaneto Shindô; Madre Joana dos Anjos (Matka Joanna od Aniolow, Polônia, 1961), de Jerzy Kawalerowicz; Mãe e Filha (Banshun, Japão, 1949), de Yazujiro Ozu; O Cardeal (The Cardinal, EUA, 1963), de Otto Preminger. Há ainda o clássico nacional udigrudi A Margem (1967), de Ozualdo Candeias, obra que “inaugurou” o cinema marginal ao lado dos filmes da Belair de Júlio Bressane e Rogério Sganzerla.

Esperemos que os produtos lançados pela Lume estejam à altura de sua proposta e de seu catálogo; e que a nova empresa consiga corresponder às exigências dos cinéfilos e dos estudiosos de cinema, que até hoje foram satisfeitas inteiramente apenas pela Versátil, deixando os demais selos independentes muito a desejar na qualidade de seus DVDs.

Segundo a distribuidora, a ordem de lançamentos é a seguinte:

Junho
Felicidade (Todd Solondz, 1998)
Reconstrução de um Amor (Christoffer Boe, 2003)

Julho
Felizes Juntos (Wong Kar-wai, 1997)
Na Companhia de Homens (Neil LaBute, 1997)

Setembro
Exótica (Atom Egoyan, 1994)
Luna Papa (Bakhtyar Khudojnazarov, 1999)
Filhos de Hiroshima (Kaneto Shindô, 1952, Lume Clássicos)
Madre Joana dos Anjos (Jerzy Kawalerowicz, 1961, Lume Clássicos)

Outubro
Down by Law (Jim Jarmusch, 1986)
Gothic (Ken Russell, 1986)

Novembro
Underground (Emir Kusturica, 1995)
O Sucesso a Qualquer Preço (James Foley, 1992)
Mãe e Filha (Yazujiro Ozu, 1949, Lume Clássicos)
O Cardeal (Otto Preminger, 1963, Lume Clássicos)

Dezembro
Eraserhead (David Lynch, 1977)
Stroszek (Werner Herzog, 1977)

Outros lançamentos previstos: Reconstrução de um Amor, de Christoffer Boe; Bem Vindo a Casa de bonecas, de Todd Solondz; Bom Dia França, de Manuel Portier; Os Imorais, de Stephen Frears; Os Amantes da Ponte Neuf, de Leos Carax; Euphoria, de Ivan Vyrypayev; Reprise, de Joaquim Trier; Offscrean, de Christoffer Boe.

José Rodrigo Gerace